quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Journeyman



Estávamos desolados, mas a vida cotidiana tinha de seguir em frente. Demos uma sorte muito grande quando encontramos, totalmente ao acaso, a neuropediatra do Leonardo. Uma personalidade ímpar dentro do mundo da medicina. Ela é alegre, chama todos pelo nome, pais de pacientes, pacientes. Na sala de espera cada vez que ela aparece para chamar uma criança faz uma festa, e na consulta fala numa sinceridade irônica, se for preciso descontrair, e chama a atenção dos pais de maneira divertida, mas veemente.

A doutora concordou com o pediatra que nos encaminhou até ela. Investigaríamos inicialmente o atraso de linguagem. Ela também se queixou da reportagem do Fantástico pois, após essa série de matérias, toda criança que se desenvolvia de uma maneira um pouco diferente já passava a ser olhada como um possível autista, e que esse tipo de diagnóstico é muito sério para ser tratado dessa maneira. Explicou-nos também que para um diagnóstico de autismo teríamos que excluir uma série de possibilidades que poderia estar atrasando a fala, assim como observar outras questões do desenvolvimento do Leonardo.

Para nossa aflição não saímos daquele consultório sem descartar um possível autismo, apenas torcendo para ser realmente coisa do “tempo dele”.

Ela encaminhou o Léo para uma avaliação com um otorrino, exames de Cariótipo de Bandagem e audiometria comportamental. Encaminhou para avaliação fonoaudiológica, terapia ocupacional e outros especialistas em psicomotricidade. Disse que o que o Leonardo precisava naquele momento era ser estimulado, e que era para retornarmos assim que conseguíssemos tudo. Pediu tranquilidade, que o Leonardo estava bem, para olhar para ele como uma criança em desenvolvimento, apenas isso.

Sou uma pessoa super ansiosa. Imaginem que mal eu entrei no elevador, saindo do consultório, e já estava imaginando por onde começar, buscando no google todo tipo de informação referente ao autismo.

Decidi começar pelo Otorrino, pois a doutora havia me dado o telefone do Hospital CEMA, que atendia meu convênio e já havia recomendado. Marquei a avaliação. O problema é que precisaria atravessar a cidade de São Paulo para chegar neste hospital.
Meu pai foi comigo. Aliás, meu pai se tornou um verdadeiro companheiro nesta jornada. Fui até a casa dele e decidimos ir de transporte público, pegamos um ônibus, dois metrôs e mais ônibus, andamos um pouco a pé. Mas valeu a pena enfrentar tudo isso no sol quente.

Era dezesseis de setembro de 2013. A doutora que nos atendeu examinou o Léo e pediu exames que faziam na mesma hora no hospital: Nasolaringoscopia infantil e BERA. No entanto só conseguimos fazer Nasolaringoscopia pois o BERA não faziam em crianças menores de 6 anos.

O exame de Nasolaringoscopia é horrível, espirram algo no nariz e depois de um tempo chamam novamente para o exame, e enfiam fundo um caninho preto no nariz. A assistente e o médico ficaram um pouco preocupados  com uma possível recusa do Léo, mas meu pequeno guerreiro se comportou muito bem, conseguiram fazer o exame e recebeu muitos elogios do médico e da enfermeira.

O exame BERA já foi bem complicado, pois muitos hospitais não fazem em crianças de 2 anos. Alguns diziam que nesta idade apenas com anestesia geral, e para isso era necessário pedir outra guia, pois na guia que a  Otorrinolaringologista passou não havia a solicitação de anestesia. Além disso, os hospitais pediam uma série de exames em caso de procedimentos com anestesia, o que geraria mais demandas de ir a médicos solicitar guias para tais exames e obviamente mais tempo para fazer todos os exames. 

Solicitamos ajuda do convênio para achar algum laboratório que fizesse tal exame sem anestesia. Alguns dias depois enviaram um e-mail com um endereço.

Fomos fazer o exame BERA numa clínica chique na Av. Sumaré. Quando a doutora me chamou disse que não faziam em crianças tão pequenas pois o aparelho do exame é sensível a movimento, que ele teria que estar dormindo. Outra médica veio, elas conversaram e decidiram dar uma dose bem pequena de Dramin para induzir o sono no Léo. Algum tempo depois ele dormiu no meu colo. Mas adivinha se fizeram o exame logo após o sono dele? Claro, que não! Fiquei com ele no colo esperando um tempão. Quando finalmente me chamaram, não havia uma maca para colocá-lo deitado. A médica chamou um funcionário para tentar pegar a maca de outro consultório e levar até lá, mas não deu certo. Então ela teve a ideia de juntar duas cadeiras e colocar o Léo deitado nelas. 

Acontece que a cadeira tinha uma elevação no assento e ele se incomodou com aquilo, começando a despertar. De repente ele abriu os olhos e percebeu que havia fios grudados em sua cabeça. “Arrá, fiozinhos para eu puxar, uma cadeira para eu escalar, como vou dormir neste parque de diversões?!”, provavelmente exclamaram os pensamentos de Leonardo.
Enfim, não consegui fazer o exame. Pediram para eu aguardar um pouco. Quem sabe ele não dormia de novo? Mas ele não dormiu. 

Quando percebi que acabava ali, desatei a chorar, comentei com as recepcionistas que estava investigando um possível diagnóstico de autismo, que ninguém fazia esse exame, que aquela era a minha melhor chance. Neste momento passava uma fonoaudióloga que trabalhava lá e me deu o endereço de um ex-professor dela que era Otorrino e que fazia esse exame, que tinha uma técnica e um aparelho que não era necessário anestesiar as crianças. Ela mesmo ligou e falou com a secretária dele, mas estava sem agenda para aquele mês.

Liguei novamente no inicio de outubro e agendamos. Pediram para eu levá-lo num horário em que teria sono. O doutor,  um senhor de uma gentileza e um preparo ímpares, veio conversar com a gente na recepção, e em sua sala de exame havia uma bancada com vários brinquedos. O Léo achou um palhacinho do Patati Patatá e ficou quietinho com o brinquedo enquanto o médico colava os aparelhos em sua cabeça. O exame não foi demorado. Parecia um milagre depois do desalento e pranto do outro laboratório. E, para aliviar, neste dia meus pais estavam comigo. Meus nervos não aguentariam outra frustração caso não desse certo de novo.

Em paralelo a isso tudo comecei a procurar lugares que fazem terapias. Junto a isso vêm as anamneses. Lembrar e relembrar de tudo de antes, durante, depois da gravidez e do parto, de todos os passos do desenvolvimento do Léo. 

Nesta época meu coração ficou muito machucado, minha gestação foi emocionalmente difícil, trabalhava em 3 escolas diferentes, tive uma dor na coluna do 2º ao ultimo dia de gestação. Mudei de casa, tive que dar minha gata, passei por alguns conflitos com novos parentes que se agregaram a minha vida. Ainda bem que tenho minha querida terapeuta para dar conta desses buracos no meu coração a cada anamnese realizada. E foram várias, até achar e me identificar com quem e como iria deixar o meu filho em terapia.

Consegui uma fonoaudióloga pelo convênio e demos inicio à avaliação.

Foi muito recomendado um espaço chamado “Lugar de Vida”. Fui até lá, fiz uma anamnese e depois disso veio a conversa sobre a avaliação do Leonardo, colocariam ele num grupo, mas também teria necessidade de sessões individuais. O valor de cada sessão, tanto as individuais quanto as em grupo, meros 300 reais. Levando em conta que seriam de 3 a 4 sessões por semana, imaginem o quanto iríamos gastar por mês! Estava mais para Lugar de Dívida do que Lugar de vida. 

Mais tarde consegui em outros lugares onde ele faria 2 sessões em grupo (fono e Terapia Ocupacional), fono individual e psicomotricidade individual, com valores muito mais acessíveis ou até mesmo gratuitos.

É o mundo capitalista, e a exploração de quem tem o conhecimento como mercadoria. 

Entendo que são profissionais qualificados, mas como ficam aqueles que não podem pagar por isso? Nas mãos de quem? Eu tive que me desdobrar mais tarde para encontrar profissionais competentes que pudessem atender meu filho.

Neste meio tempo conseguimos fazer também os exames de Cariótipo de Bandagem G e a audiometria comportamental.

Com todos os resultados em mãos, após 3 meses, voltamos à neuropediatra no início de dezembro de 2013. Ela nos deu parabéns, pois conseguimos tudo em tão pouco tempo e imaginava o quanto tinha sido difícil, pois além de fazer tudo isso a vida cotidiana prosseguia, nada parou para fazermos essa peregrinação de exames e busca por terapia.

Todos os exames deram tudo ok. Apenas um leve adenoide, mas que não justificava nada no atraso da linguagem. A avaliação da fono dizia que o Leonardo tinha potencial a ser desenvolvido e que deveríamos dar continuidade ao tratamento. Então recomendou que voltássemos no inicio de fevereiro, que ele continuasse com a fono e que conseguíssemos as terapias, principalmente a TO (terapia ocupacional). 

Mas já era dezembro, período de férias, e dificilmente conseguiríamos algo naquele momento. Ela então sugeriu que tirássemos férias de exames, aproveitar esse momento para curtir o Léo, pois a jornada até aquele momento havia sido dura e cansativa.

Saímos do consultório um pouco animados, devido aos parabéns pelos nossos esforços. Mas mesmo assim minha cabeça estava a mil, pois não tínhamos conseguido outras terapias além da fono, e no fundo eu sabia que aquelas férias teriam um outro gosto.

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