terça-feira, 2 de junho de 2015

O seu olhar melhora o meu (dieta sem glúten e sem caseína)




“Seu olhar lá fora
O seu olhar no céu
O seu olhar demora
O seu olhar no meu
O seu olhar seu olhar melhora
Melhora o meu.”


(Arnaldo Antunes/ Paulo Tatit – O Seu Olhar)


Quem é mãe de um autista sabe muito bem o quanto significa um olhar.

Durante a gestação do Léo, gravamos um CD com algumas músicas que simbolizavam o nosso relacionamento (meu e do Ale), a expectativa da chegada do Léo e a idealização de um futuro lindo para ele. O CD foi dado a todos que visitaram o Léo nos primeiros meses, bem como aos médicos e alguns funcionários do Hospital Universitário, onde ele nasceu.

Essa música do Arnaldo Antunes está no CD, e também era uma das que eu gostava de cantar para ele enquanto o embalava no colo para dormir, ou quando ele chorava incomodado por alguma cólica. Eu adorava cantar para ele, e ele me retribuía com seu olhar. Mas com o passar do tempo esse olhar foi ficando cada vez mais distante. Essa era uma das coisas que nos deixava cabreiros sobre a possibilidade de haver algo errado com nosso bebê.



Como disse no último texto, quando a neuropediatra nos pediu para levar os relatórios das terapeutas do Léo para tentar fechar um diagnóstico na próxima consulta, isso me deixou ligada em tudo o que era pesquisa sobre autismo. Retomei os estudos, li livros, consultei pessoas que trabalham nesta área. E, nestas buscas, um colega que me ouviu comentar sobre as minhas angústias com a expectativa do diagnóstico autista, e que também estava cortando a lactose de sua dieta, pois o intestino do Léo era completamente desregulado. Esse colega veio me procurar e me contou sobre a dieta sem glúten e sem caseína que seu filho fazia. Disse-me que desde que havia começado ele tinha melhorado muito.

Em casa contei a história para o Ale, e ele se lembrou de que seu pai havia indicado um documentário sobre a relação do autismo com alguma questão intestinal. Na mesma noite procuramos o documentário e assistimos. O documentário chama-se O enigma do autismo. Recomendo muito que assistam.

O documentário foi produzido pela BBC, e mostra recentes descobertas de centros de pesquisas que demonstram que, além das características mais marcantes relacionadas ao TEA, principalmente ao falho desenvolvimento da linguagem e interação social, ainda há uma série de desordens gastrointestinais que acometem os autistas, como infecções da parede intestinal e inflamações que alteram a permeabilidade intestinal. Estes fatores agravam ainda mais os sintomas clássicos, pois determinadas bactérias atravessam a parede do intestino, entrando na corrente sanguínea, e através dela chegam ao cérebro, atrapalhando ainda mais questões do desenvolvimento da linguagem.

Uma coisa é importante dizer: estes estudos não dizem em momento algum que isso seja a causa do autismo, ou que há um tratamento de cura. Mas mostra que regular uma dieta, retirando principalmente o glúten e a caseína, pode ajudar num melhor desenvolvimento das pessoas autistas. As pesquisas continuam sendo feitas, pois ainda não é um caso universalizado para a Ciência. Mas como nossa experiência de cortar a lactose não tinha sido tão eficiente (a quantidade de vezes que o Léo fazia fezes tinha diminuído de 6 para 3 vezes por dia, mas a consistência das fezes continuava alterada), resolvemos, por conta da nossa responsabilidade de pais, experimentar a dieta durante um mês, de modo a observar como o organismo dele reagiria.

Foi uma das melhores coisas que fizemos. Em aproximadamente duas semanas começamos a observar uma melhora inquestionável do seu intestino. E também uma melhora no “olhar” do Léo. Ainda ficamos com um pé atrás em relacionar essa melhora com a dieta, pois tudo o que estudamos sobre o assunto nos dizia que os resultados demorariam a surgir. Não podíamos descartar uma coincidência em seu desenvolvimento,  nem o resultado dos esforços nas terapias. Assim decidimos não nos precipitar com essa nossa observação, pois poderia ser nossa ansiedade falando mais alto. Mas era inegável que ele não estava mais tão ausente.



Neste primeiro mês de dieta também assistimos a um documentário sobre o método SON RISE. Nossa primeira impressão foi de desconfiança, pois neste documentário eles tratam o método repetidas vezes como uma “cura” para o autismo, e sabemos muito bem que isso ainda não existe. De comprovado mesmo existem apenas os tratamentos e terapias, que melhoram o desenvolvimento e qualidade de vida das pessoas com TEA. Muitos dos resultados do método Son Rise estão sendo contestados, e faltam comprovações científicas de suas alegações.

No entanto, uma parte do método é bem simples e possível de se fazer em casa. O método propõe uma brincadeira de imitação, onde imitamos tudo que a criança faz, especialmente os movimentos repetitivos (estereotipias). Após um tempo imitando-o, ele começaria a nos notar, e a tendência é que nos olhasse. E sempre que ele o fizesse, deveríamos elogiar o contato visual. Fizemos a experiência com o Léo, e funcionou. De novo, não era possível responsabilizar apenas o exercício simples proposto pelo método, mas foi possível comprovar a melhora da atenção do Léo e, sobretudo, seu olhar.

A dieta, em conjunto com essas brincadeiras, tiraram nosso pequeno Léo daquele lugar distante de nós. Foi uma das maiores emoções da minha vida ter novamente a atenção do olhar do Léo para nós. E foi uma delícia, pois uma das brincadeiras preferidas do Léo naquela época era pular em cima da cama. E adivinha? Pulávamos junto com ele. Jogava-me feito criança na cama. Rodava de braços abertos até cair tonta no chão da sala. E, para meu deleite, ele em seguida pulava em cima de mim, me olhando e rindo. As brincadeiras eram apenas essas, mas foram o suficiente para nos conectar novamente.



Abandonamos o método Son Rise nesta etapa, pois ele é demasiadamente caro e não foi algo que nos convenceu como um tratamento possível. Muitas promessas e poucas respostas às nossas dúvidas. Já a dieta SGSC  nós mantivemos. A neuropediatra e a pediatra que o acompanham autorizaram a continuidade quando relatamos a melhora.

Um livro que não sai da minha cozinha é Autismo: esperança pela nutrição de Claudia Marcelino. Esse livro tem tanto a parte teórica sobre alimentos e ingredientes e seus efeitos, quanto receitas sem glúten e sem caseína. Algumas o Léo gosta mais que outras. Então, quando ele experimenta uma e gosta, eu transcrevo a receita para um caderninho que chamei de “Receitas  para um anjo Azul”.
Seguir essa dieta não é fácil. Alguns produtos são mais caros e difíceis de encontrar. Por sorte cortar o glúten está na moda (na maioria das vezes pelos motivos errados), e conseguimos encontrar mais opções de alimentos livre de glúten no mercado. Mas a dieta não é tão difícil quanto parece. Houve algumas adaptações à nossa rotina, claro. Sempre que saímos de casa precisamos pensar no que vai ter para comer no local, e levamos a marmitinha SGSC do Léo com tudo o que pudermos substituir. Também abusamos das frutas. Sempre temos uma fruta por perto.

Minha querida mamãe tem sido uma superamiga e super vovó. Prepara várias receitas para o Léo. Quando vamos para alguma festinha, ela prepara um rocambole de fécula de batata maravilhoso, que damos para o Léo quando cortam o bolo de aniversário.

É claro que às vezes escapa uma coisa ou outra. Frequentemente nos deparamos com alguém que oferece algo diretamente para o Léo, e nem sempre dá tempo de evitar. Fomos num casamento certa vez, e assim que colocamos o pé no salão de festa um garçom abaixou sua bandeja com um festival de glúten e disse “Pega um, garotinho!”. Antes que conseguíssemos evitar o Leo já estava com a boca cheia de salgadinhos. Resultado: no dia seguinte ele estava com as fezes novamente amolecidas e em quantidades extraordinárias para uma criança. Além disso, retornou seu olhar ausente, e muita irritação.

Tomei nota do comportamento do Léo com glúten, e retomamos a dieta. Alguns dias depois observamos a melhora. Demorou bastante para ele ingerir glúten novamente, mas quando aconteceu os resultados foram bastante semelhantes (alteração na consistência das fezes e olhar perdido, intercalado com longos silêncios). Tomei nota tanto das reações orgânicas quanto das comportamentais.

Algumas pessoas, incluindo alguns profissionais da área do autismo, não estimulam a dieta, ou até mesmo a desacreditam. Uma das terapeutas, que atendeu o Léo no período do diagnóstico, me recomendou que eu não fizesse a dieta, pois ela havia assistido a uma palestra de um médico que havia dito que era um mito.

É muita gente sabida por aí!

Meu objetivo aqui não é convencer ninguém a fazer a dieta. Sei de autistas que não a fizeram e se desenvolveram muito bem. Meu objetivo aqui é contar nosso percurso, que não é melhor nem pior que os de outros, mas essa é a nossa experiência com o Leonardo. E, por enquanto, vimos bons resultados.

Não paramos na dieta. Além de estudarmos sobre a relação da alimentação e o autismo, também passamos a buscar linhas de tratamentos para o Léo. Essa é uma etapa angustiante, pois depois que você recebe o laudo com o CID de TEA vem outra etapa árdua: ajudar seu filho a ser uma pessoa independente e feliz.

Seria fácil se o problema fosse só o autismo. Mas a dificuldade maior de ter um filho autista não é o autismo, é a sociedade despreparada e sem vontade de ajudar. É o descaso governamental, os preconceitos, e toda essa dificuldade de saber aceitar que as diferenças existem e temos que conviver com elas, não simplesmente segregar.

Mas isso será tema de outros textos, pois muita água tem rolado debaixo desta ponte.
Por ora, vamos nos ater as coisas boas! Como diz o poeta Arnaldo Antunes:

"O seu olhar agora
o seu olhar nasceu
o seu olhar me olha
o seu olhar 
seu olhar melhora
melhora o meu."






Seu olhar, meu filho, rege a força que está dentro de mim.