sábado, 1 de agosto de 2015

Em busca de tratamento precoce parte II



O ano começa e eu, como professora, tenho que definir meu horário de trabalho, para que a  escola possa organizar o horário das aulas de todos os professores e passar para os alunos. Nesta época fiquei sabendo que o Grupo Gradual faria um Curso sobre ABApara pais de crianças com desenvolvimento atípico, e me vi querendo muito fazer. Desse modo, minha primeira decisão foi deixar o horário do curso livre de trabalho. Mesmo sem saber se poderia pagar, resolvi deixar o horário livre.

Janeiro tem ritmo de férias. Mas estas férias foram regidas pela Senhora Ansiedade. Nem a Gradual nem o CAPS me chamaram para dar continuidade nos processos iniciados em dezembro de 2014. Tive que mandar e-mails e ligar cobrando, o que nunca é legal.

Com o meu esposo sem trabalho decidimos passar o período de festas de fim de ano sem pensar sobre isso. Ninguém contrata durante as festas de fim de ano em sua área de trabalho. Decidimos tirar esse tempo para tentar descansar um pouco, mas assim que janeiro começou ele já disparou currículos. O retorno foi lento e esporádico, mas não desanimamos. Ritmo de férias, pensávamos.

Depois das cobranças, o CAPS nos chamou para dar continuidade nas avaliações do Léo. Felizmente, devido à situação, o Alê pôde ir comigo e me fazer companhia na sala de espera, já que o Léo entrava sozinho com as avaliadoras e outras crianças. A sala de espera era limpa, cheia de brinquedos velhos, uma mesinha e cadeirinhas de criança no centro e cadeiras contornando as paredes.

Na primeira avaliação, fomos apenas eu e o Léo. Quando estávamos saindo de casa, meu carro não ligou, com a bateria descarregada. Não sabia que ônibus pegar para chegar no CAPS, e mesmo que houvesse um ônibus, chegaríamos muito atrasados, então peguei um taxi e chegamos 10 minutos atrasados. Eu liguei para avisar do imprevisto e disseram que não teria problema. Quando chegamos ao CAPS ouvi uma criança gritando. Fui até a sala de espera e encontrei alguns pais sentados, mas eles não souberam informar onde estavam as pessoas que atendiam as crianças. Procurei na recepção, mas estava vazia. Fiquei parada com o Léo no colo, pois se o colocasse no chão ele sairia correndo, explorando o lugar e as coisas. A criança gritava incessantemente. As pessoas na sala de espera em silêncio. De repente uma porta abriu e dela saiu uma senhora. Explico a situação, e ela me levou para um corredor com várias portas fechadas. Bateu numa das portas, que era justamente onde a criança gritava. Abriu apenas uma fresta, e ela rapidamente colocou o Léo para dentro. Aquilo foi assustador. Não pela criança que gritava. Não é isso. Já trabalhei com grupo de crianças em terapia, e não acho que colocar uma criança autista junto com outra desconhecida que está num comportamento disruptivo de gritos e birras seja a melhor maneira de avaliá-la. Fiquei morrendo de dó do Léo por ter que passar por essa situação. Acho que fiquei em estado de choque. Foi tudo tão rápido. E qualquer coisa que eu falasse naquele momento poderia soar como grosseria, uma vez que a criança e sua família estavam ali ao lado, tão fragilizadas quanto eu.

Na sala de espera, tentei me acalmar puxando conversa com as outras pessoas. Perguntei se todos estavam fazendo avaliação, ou se alguém estava esperando o filho na terapia. Todos estavam com seus filhos em processo de avaliação. A mãe da criança que gritava começou a contar sobre seu filho. Disse que ele havia feito terapias nos convênios, mas nada estava adiantando. Falou do isolamento, pois não conseguia mais sair de casa para  passear, nem ir na casa de amigos. Que seu filho estava com 6 anos e que a avó, que antes ficava com ele, agora não conseguia mais por conta da idade. O pai contou sobre a inclusão na escola e os problemas que enfrentavam. Comentou sobre alguns filmes e documentários sobre autismo. Tinham certeza do autismo do filho, mesmo ainda não tendo o diagnóstico fechado. Ninguém ali tinha o diagnóstico, apenas o Léo. E, pelo que os pais me contaram, todos tinham a certeza que o filho era autista, mas que os médicos pareciam ter algum receio em fechar o diagnóstico.

Neste momento compreendi: se dão o diagnóstico, o SUS é obrigado a dar o tratamento adequado. Sem um diagnóstico fechado, ninguém poderia contestar o tal “fazemos o que podemos com que temos”. Saí de lá com uma impressão muito ruim de tudo.

Na segunda avaliação, o Alê foi junto. O que foi ótimo, pois se ele ainda precisava elaborar seu luto de não ter uma criança neurotípica, essa experiência foi intensa. Digo isso pois, nesta sessão, uma fonoaudióloga veio conversar com os pais na sala de espera, e fez algumas perguntas sobre seus filhos. Dentre  as perguntas, uma delas foi a mais contundente: qual era a nossa maior preocupação com relação a nossos filhos? Conforme os pais foram respondendo, o questionamento foi se tornando uma competição para mostrar de quem tinha o filho “mais autista”, comparando histórias de sofrimento. Uma mãe chegou ao ponto de dizer que nós não tínhamos motivos para reclamar, pois seu filho, além de tudo, sofria de convulsões frequentes. Ou seja, ao invés de responderem sobre suas preocupações (como foi perguntado), os pais se limitaram a desfiar reclamações e lamúrias sobre ter um filho autista.

 As sessões seguintes não foram diferentes. Todas com muito drama da vida real de mães que trabalham, cuidam de outros filhos, que precisam lidar com a indiferença, ou até mesmo a violência, de seus maridos, que não entendem os filhos deficientes. Enfim, saíamos de lá muito tristes com o sofrimento destas famílias e, principalmente, destas crianças. E pelo fato de sabermos da existência de um tratamento que eleva muito a qualidade de vida das pessoas autistas, mas que infelizmente muitos psicólogos ainda não aceitam essa abordagem, dificultando a vida de todas essas famílias.  Tratarei deste assunto em outro texto, pois este tema não pode passar sem análises.

Na última sessão, o garotinho que gritava não estava lá. Seus pais conseguiram uma avaliação para ele no Hospital Psiquiátrico Pinel, que tem uma parceria com o AMA. Desejo profundamente que tenham conseguido atendimento por lá, pois tenho informações que realizam um bom trabalho, além de ser gratuito, mas atendem apenas moradores daquela região.

Quando terminaram as sessões de avaliação, tivemos que aguardar a devolutiva até fevereiro de 2015, pois a pessoa que a faria entrou de férias.

Já a devolutiva do Grupo Gradual foi muito interessante. Fizeram um relatório sobre o que observaram, como observaram e o porquê observaram. Apontaram por onde teríamos que começar a trabalhar o desenvolvimento do Léo, com justificativas bem embasadas na analise comportamental. Como não tínhamos condições financeiras para pagar uma Acompanhante Terapêutica, sugeriram que eu fizesse o curso do Grupo de Pais, bem mais em conta. Desta maneira poderíamos entender melhor o que é ABA, e também aprender  alguns procedimentos importantes que aplicaríamos em casa com o Léo. Nesta devolutiva chamaram a atenção para os pré-requisitos que o Léo ainda não havia adquirido, e que precisaria para conseguir se comunicar e interagir melhor com os outros.

Nesta época o Léo estava muito birrento, com crises de choro frequente, e se jogando no chão. As pessoas sempre me diziam: “Relaxa, é só uma fase, meu filho também faz ou fazia isso...”. Eu acabava concordando, pois quem me dizia isso não tem noção do que é uma birra por falta de comunicação ou por desorganização interna de uma criança atípica. Sim, o Léo faz manha como qualquer outra criança, pois ele É uma criança. Mas as birras de crianças autistas nos deixam com muito mais que apenas o constrangimento. Deixa o sentimento de impotência, pois não conseguimos nem ao menos estabelecer um combinado com nossos filhos, do tipo: “Está chovendo agora, não dá pra sair. Quando a chuva passar nós vamos brincar, ok? Vamos assistir um desenho e esperar a chuva passar para sair.” ou “Primeiro  vamos escovar os dentes, depois saímos para brincar”. Coisas simples, que eventualmente, depois da birra, pais de crianças neurotípicas conseguem comunicar e a elas compreenderem.

Nós, pais de autistas, ficamos na frustração pois, durante ou depois da birra, dificilmente conseguimos esse tipo de negociação. Mas acreditem: existem formas de diminuir esses comportamentos, e eu sabia precisava aprendê-los.

Na segunda quinzena de janeiro o Alê começou a ser chamado para entrevistas, e no início de fevereiro ele conseguiu uma nova colocação. Isso nos deu um alívio na ansiedade, pois sabendo qual seria nossa renda poderíamos planejar o pagamento das contas fixas do cotidiano, e também planejar melhor as prioridades de tratamento do Léo.

Diante de tudo o que vimos e pesquisamos, decidimos que manteríamos o Léo na escola particular regular onde já estava frequentando e adaptado. Eu faria o Curso de Pais do Grupo Gradual para ser a Acompanhante Terapêutica do Léo em casa. O Alê iria assistir às aulas à distancia, assim nós dois aplicaríamos os procedimentos terapêuticos. Procuraríamos Terapia Ocupacional e Fono pelo convênio ou pelo SUS. Se quando o Léo completasse seis anos ele ainda não falasse ou ainda apresentasse dificuldades de alfabetização, aí então o levaríamos para uma clinica/escola.

Em fevereiro o CAPS nos deu a devolutiva, mas não souberam nos informar quais as  abordagens que  usariam ou os métodos. Mas nos informaram que não usariam a abordagem comportamental. O Léo faria terapia uma vez na semana, em sessões de 1 hora com outra criança de sua idade, que também chamava Leonardo, e que pretendiam futuramente colocar mais crianças de outro grupo.  Agradeci, mas recusei. Isso é menos do que ele fazia antes do diagnóstico e, como já disse, é direito o diagnóstico precoce e vou lutar para que tenha tratamento precoce adequado. Não quero julgar os profissionais do CAPS, pois sei que existem muitas limitações que não são culpa deles, mas do sistema no qual estão inseridos. Também compreendo os pais que aceitam que seus filhos recebam este tratamento, talvez por ignorância da existência de alternativas mais efetivas. Imagino suas frustrações quando descobrem isso.



Nas minhas resoluções internas, minha prioridade é ajudar meu filho. Mas pretendo me engajar de alguma forma na militância para ajudar esses pais. O blog foi a primeira atitude neste sentido, pois informação e conhecimento são coisas que ninguém pode tirar de nós. E o saber é transformador.
Com todas essas decisões fomos à consulta com a Neuropediatra. Chegando lá, contei para ela tudo o que passamos na busca por uma terapia. Mas ela, com seu jeitinho todo especial, nos chamou a atenção para a questão séria da neuroplasticidade do cérebro. E que era para buscarmos o quanto antes ajuda da escola/clinica, pois ele precisava ter os pré-requistos desenvolvidos, e que este era o ambiente onde dariam ao Léo a oportunidade de estabelecer a ponte entre seu mundo autista e nós. Ela nos deu o modelo de uma solicitação de um paciente que fez um pedido à Secretária da Saúde para conseguir um tratamento custeado pelo governo, pois é responsabilidade do Estado fornecê-lo, e um direito do Léo em recebe-lo. Ela também nos disse que isso era bem difícil, mas com a regulamentação da Lei Berenice Piana em dezembro de 2014, esta era a hora de nós pais exigirmos nossos direitos.
Nem precisa falar que, assim que saímos da consulta, já mudamos os nossos planos.

Dia seguinte agendamos para ir à clinica/escola que usa o método Teacch, que relatei no texto Em busca de tratamento precoce. O Alê foi junto desta vez. E, para minha surpresa, estavam terminando uma reforma, onde colocaram mais cores na decoração. Ainda tinha a cara de uma clinica/escola, mas estava mais acolhedora. Compreendo que a aplicação do ABA para crianças autistas pressupões uma diminuição dos estímulos de cores e barulhos. Aliás, isso é um problema para grande parte dos autistas quando frequentam escola regular como inclusão. Qualquer ruído, movimento ou brilho podem distrair a criança autista e dificultar sua concentração para um aprendizado específico que se pretende fazer. Nós vimos as crianças lendo, fazendo suas atividades, e elas estavam felizes. E uma coisa que ficou muito nítida foi a seriedade dos profissionais e o amor pelo que fazem.



Mas, para matricular o Léo nesta escola, teríamos que gastar o dobro do que pagamos na escolinha particular. O lado bom é que ele teria várias terapias em um único lugar, receberia um olhar multidisciplinar, e teria um dialogo dos profissionais sobre suas questões. Para conseguirmos isso, apertamos o orçamento e colocamos o Léo numa escola da prefeitura. Ficamos muito inseguros quanto a isso. Mas era o que tinha que ser feito. Era esse o caminho.
Foi muito dolorido tirá-lo da escolinha particular. Marcamos para conversar com a diretora, pois já havíamos pagado a matrícula de 2015. E, ao explicar os motivos, chorei. Não foi um choro pelo autismo. Mas é injusto passarmos por tudo isso, devido à carência de locais que façam tratamentos adequados para nossos filhos. O Léo adorava aquela escolinha.



Mas as lágrimas secaram rápido, não há tempo para lamentos. É o que temos para hoje. Muitas crianças estudam em EMEIs e meu filho não é superior nem inferior a ninguém, é apenas diferente, e vou ensinar isso para ele. É a vida ensinando isso para nós. E quanto mais rápido aprendermos a lição, mais tempo teremos para sermos felizes.



Uma amiga nos indicou sua cunhada, que é fonoaudióloga e que fez Mestrado na USP na área de autismo. Conversamos muito, uma pessoa maravilhosa que hoje faz parte da nossa história e nos indicou para a clínica da USP, que estava fazendo inscrição para pessoas da região. Levei documentos, comprovante de residência, fizemos uma entrevista com a coordenadora da pós-graduação, e poderíamos começar após a 2ª quinzena de março.

Matriculamos o Léo na clinica/escola no período da manhã e na EMEI no período da tarde. Faríamos o curso de pais sobre ABA na Gradual uma vez por semana. Fono na USP. Tudo acertado.

Força de trabalho é o que não falta neste meu sangue. Bora trabalhar.

Que comece o ano. Os dados estão na mesa.



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