quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Só quero saber do que pode dar certo




O diagnóstico precoce para os casos de autismo é fundamental. Ainda no período de investigação muitos médicos e especialistas já recomendam a intervenção de terapias, pois o quanto antes as estimulações começarem, melhor para o desenvolvimento da criança. As terapias vão ajudar independente do diagnóstico se concretizar ou não.

Quando o diagnóstico de autismo é dado, ficamos sem saber onde procurar atendimento, e ao procurar encontramos um cenário aterrorizante, pois há poucos lugares especializados, e mesmo nesses muitos são precários ou caros.

Descobrimos que existe uma lei que nos ampara, a leiBerenice Piana (LEI 12.764/12), que foi regulamentada em dezembro de 2014, mas ainda não saiu do papel. Passamos a constatar que, além do problema do nosso filho, iríamos ter que embarcar também numa luta para resolver alguns problemas sociais referentes à inclusão e tratamento. A existência da lei é fundamental, e temos que a propagar e exigir que nossos filhos tenham seus direitos garantidos.

Contudo, a questão inicial é: qual tratamento funciona? O que é ABA? Por que encontramos tão poucos profissionais atuando nesta área da psicologia? E por que muitos profissionais ainda torcem o nariz para esse tipo de abordagem? Que tipo de intervenções terapêuticas temos que exigir do governo para nossos filhos autistas?

Vou narrar nossa trajetória até aqui sobre esses pontos.

Diante do despreparo do CAPS infantil para o tratamento adequado do Leonardo enquanto criança dentro do espectro autista, fomos procurar terapias com abordagem em ABA, pois foi a única que encontramos dados científicos de eficácia, e vários países do mundo usam o ABA como tratamento de autistas. Então, por que ficar gastando tempo e dinheiro com terapias que não sei se darão certo?
 O momento da escolha de que caminho seguir é muito importante. Mesmo que sejam poucos os caminhos disponíveis, qualquer escolha irá mudar o ritmo de vida familiar, pois serão introduzidas diversas terapias, locais novos que irão frequentar e, obviamente, a rotina da família sofrerá um impacto grande. Quem vai levar? Quem vai buscar? Quais dias da semana? Encaixar os horários das terapias com os horários de trabalho, e o impacto com relação ao trabalho, pois, infelizmente, nem todas as empresas entendem que você vai ter que se ausentar para cuidar de seu filho deficiente. Algumas empresas chegam ao ponto de dispensar o funcionário que tem um filho nessa situação, causando mais um impacto na renda familiar. Outras causam um verdadeiro stress referente às cobranças pelas horas de ausência no período de trabalho. Tudo isso deve ser levado em conta na hora das escolhas.

Mas o mais importante neste momento é traçar objetivos bem definidos junto com médicos, terapeutas, família e escola. E, independente de qual tipo de abordagem for escolhida, saber que ter paciência é fundamental, pois vai ser um caminho longo e muitas vezes demorado, e que você vai ter que participar como mediadora deste processo, ou seja, saber que os resultados não dependem somente da relação da criança com os terapeutas, mas também da atuação dos pais e, acima de tudo, não se culpar pelas escolhas caso durante o caminho tenha que mudar o percurso.

Durante meu curso de graduação, estudei um pouco das teorias comportamentais para a educação, e sou daquelas pessoas que acreditam no ser humano como fruto de seu desenvolvimento histórico social, que constrói sua história. Portanto não me aproximei mais dos estudos comportamentais por achá-los mecanicistas e desconsiderarem a potência de transformação consciente de si e de suas escolhas. Afastei-me destas teorias por considera-las extremamente condicionantes e pensadas como positivas apenas para quem quer “dominar e controlar” as escolhas que interferem não só na subjetividade, como também nas relações sociais.

Mal sabia eu que um dia estaria educando meu filho com base nesta mesma teoria que no passado rechacei. Ao perceber que as abordagens psicológicas comportamentais eram as que tinham tido os melhores resultados com base científicas no tratamento de autistas, tive que me desfazer dos preconceitos causados por esse “afastamento” das teorias e voltei a estudá-las. Não só estudá-las, como aplicá-las em meu filho. E seu resultado foi transformador em nossas vidas.

Se pensarmos que a linguagem foi e é um fator fundamental para a humanização, para a transformação do homem-animal para homem-social, dotado de sociabilidade e produtor de culturas, percebemos que é exatamente isso o que falta no meu filho autista. Preciso, portanto, partir da premissa que ele precisa mais do que mediadores (outros seres humanos) para superar suas dificuldades. Nele há um quesito biológico que deve ser analisado. Ele precisa, sim, de outros tipos de estímulos, que não se dão apenas na relação com outros seres humanos. Ele precisa de reforçadores de troca para gerar interesse no que lhe é ensinado, ele precisa de muitas repetições para aprender, e precisa de mais um tanto de repetições para dar significado ao que aprendeu, pois há nele uma imensa dificuldade em elaborar signos (que, para o restante da humanidade, é praticamente inato).

Mas, o mundo está cheio de gente “esperta”, que não consegue abrir mão de suas concepções entorno do que estudou, ou do que acha o que é melhor para o filho dos outros. Descartam o tratamento ABA, como se o que propõe fosse dar mais certo, como se estivéssemos condicionando o nossos filhos a responder mecanicamente apenas quando lhe dão algo de seu interesse. Essas mesmas pessoas críticas e “espertas” esquecem que elas mesmas trabalham em troca de salário, ou mudam de emprego por um salário melhor, que matriculam seus filhos em instituições que as ensinam a estudar em troca de notas, usam fantasias como o Papai Noel e o Coelho da Páscoa para estimular o bom comportamento das crianças, retiram brinquedos, celulares, computadores de seus filhos quando estes não tem um comportamento que julgam adequado, etc. Eles podem condicionar, pois suas crianças entendem o condicionamento na primeira fala, na primeira situação, e assim não fica claro o quanto manipulam o comportamento. A única diferença é que, no caso de crianças autistas, a repetição evidencia o condicionamento de maneira mais explícita.

O ser humano deficiente expõe a verdade inconveniente que a humanidade não é normal. Meu filho deficiente mostra que você pode vir a ter um também, ou mesmo um neto. O deficiente escancara para a sociedade que ser deficiente é parte da humanidade, e a sociedade por milênios negou ser deficiente.
Há poucos profissionais especializados em ABA, pois, seguindo a lógica comportamental, trabalhar com deficientes ou fazer pesquisas acadêmicas sobre temas como estes não é algo que a sociedade privilegiou como status. Portanto,  não há estímulos (financeiros, status) que levem as pessoas para essas áreas. Muitas pesquisas científicas foram conduzidas e realizadas por médicos e outros especialistas que tinham ou têm filhos autistas.

Podemos observar então que, mesmo como sujeitos históricos conscientes, caímos nas questões de estímulo e resposta. Mas, por conta de algum ego acadêmico, muitos especialistas não querem se dar ao trabalho de retomar essa abordagem Comportamental e adaptá-la para o cenário educacional e terapêutico de autistas. Ficamos assim à mercê de abordagens psicanalíticas e de tentativas alternativas, e sem eficácia comprovada, para nossos filhos. E, mesmo nessas abordagens, são poucos os profissionais que se especializam em autismo, e muitas vezes estes especialistas são bastante caros. Em muitas cidades do Brasil são os pais que criam ONGs e buscam os recursos psicoterapêuticos e psicopedagógicos apropriados.

Espero sinceramente não precisar de terapias comportamentais para sempre. Espero que essa seja uma etapa na vida de meu filho. Espero no futuro poder usar outras teorias psicológicas e educacionais, como, por exemplo, as abordagens de Vigotsky e outras que possam contribuir para a formação do meu filho como sujeito histórico social, consciente que é produtor de sua realidade subjetiva, material e histórica, pois se isso acontecer o espectro do autismo do Léo será leve, dando a ele a funcionalidade da vida social de um sujeito adulto.

Hoje busco na terapia comportamental a independência do meu filho. Que ele saiba que pode se comunicar e se expressar enquanto não aprende a falar. Quero que ele aprenda a ir ao banheiro com autonomia completa, quero que ele saiba se alimentar, se vestir, tomar banho, escovar os dentes, colocar os sapatos. Coisas pequenas, mas que para nós, pais de autistas, é algo gigantesco. Cada conquista desta vai ficar marcada na memória com dia e hora.

Todo pai quer que, acima de tudo, seu filho seja feliz. E hoje eu sei que o Léo é uma criança feliz, principalmente porque agora ele passa menos tempo frustrado. Ele está aprendendo a se comunicar de forma alternativa. Sua ansiedade diminuiu, junto com suas frustrações. A felicidade não é algo espontâneo e inato. Uma criança estressada, frustrada e ansiosa por falta de compreensão do que acontece a sua volta, por falta de compreensão do uso da linguagem, fica tanto tempo aprisionada em si que há pouco tempo e espaço para a felicidade florescer.

Foi nesta prática da teoria comportamental aplicada que meu filho voltou a dar risadas, aprendeu a pular, a brincar compartilhado, a nos observar, nos imitar. Foi com este “condicionamento” de amor que ele voltou a ser uma criança que expressa sua felicidade.



A nossa experiência com terapias baseadas em ABA difere das criticas que dizem que é algo condicionante, mecanizado, memorizado e sem consciência produzindo ações mecanizadas. Quem conhece e convive com o Léo sabe que nem de longe seu progresso resulta em ações sem consciência e vazias de significados ou sentidos. Ao contrário, ele está dando sentido nas suas ações, tem se divertido com isso, tem reconhecido nossos signos de linguagem e dado significados para eles. Algumas vezes nos surpreende como aprende rápido. O Léo tem um comportamento amoroso, e podem ter certeza que esse amor não é condicionado.

As atividades que realizamos em terapia e em casa são repetitivas, são registradas, possuem etapas e hierarquias para a passagem de uma atividade para outra, e premiações. Evitamos o erro para reduzir a frustração e atitudes disrrupitivas. Às vezes parece que ele não vai aprender, e somos nós que saímos frustrados. Mas é por isso que existem as repetições, pois uma hora irá fazer sentido. E eu consigo distinguir no olhar dele quando ele aprende, dando significado, e quando faz para só ganhar o estímulo.

A Terapia em ABA recomenda no mínimo 20 horas semanais em terapias com especialistas e deve ser complementada em casa. Isso significa que os pais, irmãos e outros familiares também terão que apreender sobre a abordagem comportamental e seus procedimentos. É um engodo achar que as terapias darão conta das necessidades. O envolvimento da família deve ser total. Por isso que chamo essa maternidade de Fênix: tem dia que somos como cinzas de tão cansadas, mas renascemos a cada avanço. Somos mães e pais especialistas, somos militantes da causa autismo. Existem aqueles pais que só se importam com o seu próprio filho autista. Mas quem me conhece sabe o que penso de qualquer pessoa indiferente. Não sou assim, sempre tomei partido, e agora com meu filho não iria ser diferente.

As vezes fico muito frustrada pois há muita coisa para fazer, muitas atividades e nem sempre consigo por diversos motivos. O trabalho da casa, cozinhar sem glúten e sem caseína, o trabalho que trago para casa (tento não trazer, mas, como professora, isso é quase impossível). O Léo tem uma jornada longa entre terapias de manhã e escola à tarde. Ele chega em casa e se joga no sofá, cansadinho. Enfim, as cobranças são muitas, não damos conta de tudo, mas tudo que fazemos é com amor, carinho e muita, muita alegria.

Cada um escolhe seu caminho. Mas nesta luta pelo Léo e por outros autistas, penso que temos que lutar perante os Governos por clinicas com abordagem comportamental que sejam públicas e de qualidade. Os outros tratamentos, as outras abordagens, são sempre bem vindas. Mas sou cética, não vou neste momento de tratamento precoce buscar caminhos alternativos para o Leonardo. Infelizmente o problema maior neste momento social não é a escolha do caminho terapêutico. É que temos poucas escolhas e poucos caminhos.

Assim que recebemos o diagnóstico precoce, nos lançamos numa corrida contra o tempo, quanto mais adequado para o individuo autista for seu tratamento, mais chances de ser um adulto funcional.

E é exatamente por isso que quero saber do que pode dar certo.

Não tenho tempo a perder.



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No próximo texto falarei sobre como aprendi a aplicar os procedimentos com o Léo, nossas atividades, e sua evolução com o método TEEACH. 

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