terça-feira, 22 de novembro de 2016

Jornada do desfralde de uma criança autista.




Desfraldar uma criança é uma verdadeira forma de independência para a criança, para seus pais e cuidadores. É uma tarefa que exige muita paciência e dedicação. Mas para nós, pais de crianças com TEA, essa “tarefa” pode se transformar numa verdadeira jornada.

Para uma criança neurotípica você pode explicar que ela está crescendo, usar expressões do tipo “você está ficando mocinha”, vai fazer xixi no vaso igual à mamãe, igual àquela priminha mais velha que a criança gosta, pode usar técnicas de reforçamento, a cada xixi ou cocô no peniquinho a criança ganha uma figurinha, etc. Mas, crianças são crianças, e às vezes  dão um nó na gente. Tenho uma amiga que tem uma filha da mesma idade do Léo que, quando iniciou o desfralde, por volta dos dois aninhos, foi tranquilo, mas depois de um tempo, com uma certa consistência de idas ao banheiro, começaram a ter alguns escapes, o que é normal, pois as vezes a criança está tão envolvida numa atividade que segura o xixi para não ter que deixar o que está fazendo e ir ao banheiro, e de repente escapa. Numa destas vezes, aconteceu um diálogo: a mãe, trocando a filha molhada, começou a explicar que ela já havia aprendido a usar o banheiro e que já era uma moça. Ao ouvir isso, a criança questionou a mãe “Então já posso usar suas sombras de maquiagem?”. Numa outra situação a mãe havia falado para a filha que maquiagem com sombra nos olhos ela só usaria quando fosse moça. Crianças são assim, espertas e literais.

Os autistas também são literais e espertos, mas muitos não terão esse grau de interpretação, muitos não compreenderão frases como “você está crescendo” ou “está ficando mocinho”. Esse tipo de explicação é muito vaga para uma criança com TEA compreender todo o processo do controle de seu organismo e todas as etapas do uso do banheiro.

Ter uma criança autista é se reinventar, mas têm coisas que não fazemos a mínima ideia por onde começar. Quando isso acontece, recorremos a outras mães de autistas para perguntar como foi o desfralde, ou qualquer outra dúvida. Por isso deixo aqui essa dica: cerquem-se de mães de crianças com TEA. Nós sabemos o que de fato é essa maternidade.

 Desfraldar uma criança deficiente é tão complicado, envolve tantos fatores, que é muito comum vermos crianças maiores usando fralda, pois cada criança com TEA é diferente da outra, cada uma ao seu tempo, e também é muito comum questões gástricas digestivas, que ocasionam gases, dores e fezes amolecidas. Já escrevi em “O seu olhar melhora o meu”, que antes da dieta sem glúten e sem caseína o Léo evacuava várias vezes ao dia, umas fezes sem consistência e muitas vezes ácida. Teve um período que teve assaduras feias, que foram tratadas com pomadas especificas receitada pelo pediatra.

Perguntei para algumas mães sobre o processo do desfralde, mas não tive sorte. Aquelas mães sim, pois conseguiram tirar a fralda sem muitas dificuldades, usando técnicas que eu já tinha tentado sem sucesso. Fiz um curso sobre Análise Comportamental Aplicada. Nesta época o Léo já estava em processo de desfralde, mas com muitos escapes de xixi e todos dos cocôs na cueca. Teve uma fase que começou a fazer cocô apenas na fralda assim que acordava, pois dormia de fralda e passava o dia sem. Uma das terapeutas do curso me recomendou levá-lo ao banheiro antes dele fazer o cocô pela manhã, afrouxasse a fralda e sentasse ele no vaso de fralda. Se fizesse cocô na fralda sentado, elogiar muito, dar um reforçador  arbitrário (brinquedo que gosta muito, tablet). E assim, gradualmente, ir retirando a fralda até que fizesse cocô no vaso.

As implicações disso é que precisávamos acordar às 6hs da manhã. Como muitas vezes nos deitamos para dormir depois da meia noite devido as tarefas domésticas, então seria uma fase mais cansativa, com menos horas de sono. Teríamos que acordar por volta da 5 horas, fazer toda a dinâmica e depois ter um longo dia trabalho pela frente, sem que ninguém se desse conta do stress emocional que estávamos passando em casa. Afinal tudo tem que ser feito com muita paciência e consistência, e isso é muito trabalhoso, com um desgaste emocional e mental impressionante.

No entanto, nem tudo saiu como a terapeuta nos disse. Nestas tentativas o Léo se recusava a sentar no vaso, chorava, gritava, um escândalo tão grande que eu tinha medo dos vizinhos reclamarem. E depois ainda tinha escovação dos dentes, que era outro escândalo. Muitas vezes desistimos, e essa desistência só reforçava o Léo a aumentar a birra a cada manhã.

Depois de alguns dias o Léo começou a sentar no vaso com o celular, assistindo vídeos das musiquinhas que ele curte, mas nada de cocô. Assim que colocávamos nele o uniforme e estávamos prestes a sair de casa ele fazia cocô na calça e tínhamos que voltar, trocar, às vezes dar banho, e era frequente naquela época começarmos o dia atrasados, sob os olhares de colegas de trabalho que julgam sem saber o que se passa na nossa vida. Teve um colega vez ou outra que falava das minhas olheiras, fazia piadas de que eu estava na balada e vim direto para o trabalho. Escutei algumas vezes isso e me arrasava. E lá vamos nós desafogar tudo isso com terapias e remédios psiquiátricos para poder passar algo que deve ser feito com paciência. Paciência eu tinha com o Léo, mas perdia muito fácil a linha com os outros. A ponto de reagir frente a alguns comentários sobre minha aparência cansada. Alguns entenderam minhas interjeições ora irônica ora explisiva, outros não.
Desistimos deste processo com a fralda de manhã. Mas já conversei com mães que usaram essa técnica e que funcionou. Como disse cada criança é diferente da outra.

Numa conversa com outra mãe, cujo filho faz terapia no mesmo lugar que o Léo, e ela me tranquilizou, dizendo que logo o Léo estaria desfraldado. Conversamos sobre o método que as terapeutas usavam e que iria dar certo, pois tinha dado com o filho dela e que tinha sido incrível, elogiou o trabalho sério da Instituição e das Terapeutas. Nesta época fazia apenas meses que havíamos matriculado o Léo na Instituição. Respirei fundo e voltei a me animar.  Algum tempo depois as terapeutas me chamaram para explicar como seria o processo e que elas já haviam iniciado dentro do espaço clinico.

Uma coisa que nós, mães de crianças com TEA, precisamos saber e compreender é quais são os pré-requisitos que nosso filho tem que ter adquirido para depois iniciar um aprendizado. Se não tomarmos cuidado queimamos etapas do aprendizado e só nos frustramos achando que a criança não é capaz de aprender. Todas são capazes de aprender, mas existem coisas que são extremamente necessárias de se ensinar antes, como, por exemplo, olhar, pegar e entregar. O uso das pistas visuais é fundamental, mas para introduzir as PECS é necessário que a criança já tenha aprendido alguns pré-requisitos.

Assim o Léo começou as terapias dentro do espaço clínico, e também comigo em casa, de treinos de pré-requisitos que lhe faltavam, tais como: estabelecer contato visual, entender comandos e identificar imagens. Também fizemos o quadro de rotina em casa, criando para ele uma forma de ensino inicial de como aquelas pistas visuais ajudariam no seu entendimento sobre as coisas. Só assim foi possível trazer da clinica para casa a sua pista visual “banheiro” e iniciar o chamado “treino do banheiro”. 




Ficamos empolgados com o treino, consistia em fazê-lo pegar a PECS “banheiro”, que colocamos com um velcro num lugar da casa onde ele tinha acesso fácil, e levá-lo ao banheiro, colando-a num outro velcro ao lado do vaso sanitário. Isso deveria ser feito inicialmente de hora em hora. No banheiro deveríamos ajudar a abaixar a calça e a cueca e dizer “xixi no vaso”. Também havia um caderno de registro com uma tabela que deveríamos escrever a hora que levamos ao banheiro e assinalar com um “X” outros dados como: se o treino foi induzido, se pediu, se foi sozinho a banheiro, e um campo de registro de horas e local onde ocorreu o escape.

O objetivo era mapear seus horários de xixi e cocô, descobrir se havia algum local onde costumava se dirigir para fazer as necessidades. E assim, traçarmos as estratégias de um ensino mais efetivo para o uso adequado do banheiro.


Receber essa orientação foi maravilhoso para nós. Mas nem tudo são flores. O desfralde deve ocorrer em todos os lugares que a criança frequenta, ou seja, a Escola também deveria participar deste processo, assim como na casa da vovó e do vovô, ou qualquer lugar que frequentássemos. Certa vez fomos viajar para casa de uma grande amiga e levamos as PECS, fizemos rotina na parede da casa dela, colamos o velcro no banheiro, tudo foi feito como em casa, assim também foi na casa da vovó e de tias-avós. Todos recebiam muito bem a novidade. No entanto, enfrentamos dificuldades em aplicar isso na Escola.

Escrever esse texto somente hoje, e não na época do ocorrido, me faz entender melhor todas as pessoas envolvidas nesta história. Narrar hoje essa história é algo que faço sem raiva e sem dor, pois foi uma fase tensa e dolorida.  Narrar estes fatos hoje é narrar o aprendizado de todos nós, pois temos que compreender que a Inclusão se dá num processo que não envolve somente o aprendizado da criança deficiente, mas de todos os adultos e profissionais que terão que conviver com essa nova realidade, pois para muitos profissionais o processo de Inclusão é uma novidade, gera mudanças, e mudanças trazem receios que, por sua vez, podem paralisar o aprendizado do profissional.

Também é fato para todos nós que as Escolas não estão preparadas para a Inclusão, mas isso não quer dizer que ela não possa acontecer. Temos que encontrar caminhos para ajudar neste processo inicial de Inclusão Escolar. E, se tivermos sorte, encontrar pessoas dispostas as aprender a implantar a Inclusão. Mas não adianta só disposição, são necessários recursos, e muitas vezes a Escola não os recebe. E, diante disso, encontramos nosso maior obstáculo: uma sala com 20 crianças entre dois anos e meio e três anos e meio, com duas professoras titulares, mas que revezavam os horários. Uma ficava com as crianças das 13 até as 15hs e a outra das 15 até às 18:40hs. Um jeito dos governos ludibriarem a população de que as EMEIs têm duas professoras em sala de aula.

A sala de aula possui banheiro, possui uma AVE (ajudante de vida escolar), que é uma profissional que auxilia as crianças especiais nas tarefas como uso de banheiro, locomoção, alimentar-se, etc. Mas não é sua função atuar em tarefas pedagógicas. Conseguimos o laudo da neuropediatra que diz que o Léo precisa de profissional especializado para Apoio na sua inclusão escolar. Depois de alguns meses a Diretoria de Ensino contratou uma Estagiária para a escola. Questionei essa posição, pois o laudo é do Léo, individual. Resolveu-se que a estagiária ficaria na sala do Leonardo, auxiliando ele e a professora sempre que necessário.

Mas quando o caderno do Treino do Banheiro chegou à Escola, foi recebido por alguns como algo que deveria ser feito, mas para outros como algo que apenas “daria mais trabalho”.
E foi aí que os desentendimentos começaram. Preciso relatar aqui um fato importante, antes do desfralde iniciar: O Leonardo havia sido agredido no inicio do ano. Tinha acabado o horário de verão e o Pai se atrasou por conta do trânsito, pegou o Léo com pressa e apenas reparou que estava com uma carinha de que tinha chorado e com nariz escorrendo. Perguntou à funcionária que estava com ele se havia ocorrido algo, ela disse que ele passou o dia com muitas birras e choros. Quando chegou em casa, tirou o Léo do carro e viu no claro da luz da garagem que seu rosto estava todo arranhado, com marcas vermelhas e alguns arranhões feridos apontando de leve o sangue.

Aquela noite nunca mais sairá das nossas piores lembranças. Não havia nenhuma anotação na agenda, a funcionária não relatou nada e o Léo estava extremamente assustado e calado. Passou a noite de mãos dadas com a gente até adormecer. Não deixou a gente sair de perto dele.

No dia seguinte pela manhã estava na escola para conversar com a direção, e mostrei as fotos que tirei na noite anterior. A vice Diretora e a Coordenadora ficaram apreensivas, pois não tinham passado nada para elas sobre o ocorrido. Ficaram de me responder no período da tarde, pois as professoras e funcionários da tarde ainda não haviam chegado.

De tarde retornei na escola. Eu não fui lá porque o Léo é uma criança especial. Estava lá para saber o que havia acontecido. Acho que qualquer mãe  de criança teria ido, seja o filho neurotípico ou não. Crianças brigam, eu sei. Mas gostaria de saber o porquê eu não havia sido informada, pois, pelos tipos dos ferimentos, não havia sido uma briga de criança qualquer, e sim uma agressão. Mas, na reunião com professores, direção e funcionários, em vários momentos a conversa circulou sobre o fato de o Léo ser uma criança especial, e de a escola e profissionais não estarem prontos para a Inclusão. Também utilizaram justificativas que fariam uma mãe fragilizada tirar o seu filho da escola, pois é típico a culpa cair sobre nós mães.

Hoje temos toda essa história resolvida, mas essa situação desencadeou reações em nós, adultos envolvidos com o Léo. Tenho certeza que meu filho sempre foi respeitado e cuidado com muito amor pelos profissionais da Escola, mas quando o caderno do “treino do banheiro” chegou na EMEI houve resistência. Não por partes de todos, mas recebi algumas vezes por escrito frases que não vou relatar aqui, que colocavam em cheque o desfralde, e inclusive deixavam claro que o que havia era uma mera Inserção do Léo na turma, e não a Inclusão de fato.

Teve um período que eu não saía da escola, quase toda semana estava lá conversando com a Coordenação e com a Direção sobre as questões do desfralde, sobre essas anotações “duras” da professora no caderno de treino do banheiro ou agenda. Até que um dia sentei na frente do computador e fiz um relato de tudo que me afligia desde o episódio da agressão do Léo, a reunião desastrosa do ponto de vista profissional e emocional de todos os presentes, tudo. Xeroquei alguns recados que recebi. Como tentei várias vezes o diálogo com a escola para que mediasse a relação com a professora e não consegui resultados, resolvi procurar a Diretoria de Ensino e conversar com a Supervisão que cuida desta parte de Inclusão. E uma das coisas que mais achava estranho é que eu sempre gostei do trabalho da professora, da proposta dela de educação infantil, adoraria que um filho meu neurotípico fosse aluno dela, era até contraditório na minha percepção a resistência dela para a Inclusão do Léo. Mas foi necessário, levar estes problemas para a Supervisão de Ensino, uma vez que o diálogo com a Direção não estava dando efeito nas atitudes da professora quanto às falas dela e as questões do desfralde.

A supervisão foi conhecer meu filho, viu que estava assistido por terapias, conversaram com as terapeutas que se colocaram à disposição de ajudar a escola neste processo de Inclusão e desfralde. Foram na Escola e acompanharam a rotina do Léo. Os supervisores acolheram a Professora de forma a instruí-la sobre as questões da Inclusão e sobre o autismo, pois isso era uma das suas queixas, “que o governo libera a Inclusão, mas não prepara os professores”. E depois de um tempo as coisas pareciam ter entrado no lugar.

Pareciam, pois no final do ano, fomos chamados para uma reunião na Diretoria de Ensino. Como tudo estava ocorrendo bem, o Léo já fazia xixi no vaso de forma consistente, com poucos escapes, o caderno de treino do banheiro era preenchido corretamente, apenas o cocô estava mais problemático, pois ele se recusava a sentar no vaso e fazia com frequência na cueca, mas já estávamos felizes, pois o xixi havia aprendido a fazer no vaso, e encontraríamos o jeito para resolver a questão do cocô. 

Diante disso, pensamos que deveríamos elogiar essa intervenção com a professora durante a reunião.
Fomos à reunião para agradecer o trabalho e a mudança de postura. Mas foi nesta reunião que percebemos que, por mais que eu tenha tentado estabelecer o diálogo, isso realmente não aconteceu. O Supervisor que havia acompanhado o caso estava de férias, e seu substituto, que só se informou sobre o caso  naquela manhã, abriu a reunião de uma forma que não esperávamos.  Foi quando nós percebemos que nós fomos ouvidos, mas a professora não. Ela colocou questões pessoais apontadas a nós que poderiam ter sido mediadas há tempos. Colocou questões importantes sobre o que é exigido dela como profissional e o que de fato ofereceram para ela nas condições de trabalho. Novamente muitas coisas foram ditas, mas acho que muitas foram silenciadas. De qualquer forma, sabemos que podemos contar com a Supervisão.  Nunca foi nossa intenção punir a professora, sempre deixei isso bem claro, por escrito e nas minhas falas, o que eu pedia era ajuda, pois era evidente que é uma ótima profissional, mas lhe faltava estruturas de capacitação, estruturas adequadas e até um pouco de motivação para conseguir trabalhar a Inclusão.

Sou professora, e sei muito bem das dificuldades burocráticas e pedagógicas que temos para incluir um aluno, vontade por parte do professor é fundamental, mas estrutura por parte da escola também é. Saber disso como professora é uma coisa, passar na pele como mãe de criança especial é outra. Por isso, tomei as decisões que tomei. Tentei achar formas de resolver a situação. Cada um tentou ao seu modo resolver. Talvez os esforços não tenham sido na mesma intensidade e direção, mas todos estavam com um objetivo, o bem do Leonardo.

Este é o saldo positivo, de lutar por nossos filhos. Inclusão é um direito. E, neste país, para exercermos os nossos direitos temos que lutar. Não sabemos se o que fazemos é o certo, mas temos que fazer. Temos que tentar de diferentes formas.

Desfraldar uma criança com TEA envolve muito mais que o aprendizado da própria criança, envolve relações sociais, emocionais, envolve o nosso aprendizado, pois muito dos escapes do Léo foram para chamar nossa atenção. O Léo tem uma característica bem comum nos autistas, o comportamento desafiador, e lidar com isso no desfralde não foi fácil também.

O desfralde total do Léo levou 1 ano e 4 meses. E, neste processo, todos nós aprendemos. Hoje eu olho para trás e penso que poderia ter feito algumas coisas diferentes, principalmente no meu diálogo com a professora, mas eu estava tão machucada naquela época que acho que nada seria diferente do resultado que chegamos hoje.

Tudo está perfeito? É claro que não. Existe algum lugar em que a Inclusão ocorra à perfeição? Mas hoje os conflitos acabaram. E sim, nós estamos felizes com os caminhos da Escola, e se eu já gostava dos projetos da professora mesmo sem meu filho participar, imagina agora que ele está cada vez mais interagindo com os projetos e a turma? No final das contas eu tenho é que agradecê-la por não ter desistido de nós. Tudo é aprendizado, principalmente se feito com amor.

Espero que esse relato ajude as mães que passam por processos parecidos a lutarem e verem que os profissionais também precisam de apoio, mesmo que em alguns momentos pareça que não seja isso, e mesmo que estejamos tão fragilizadas que pareça que não sejamos nós que devemos dar esse apoio. Mesmo que não saibamos onde buscar esse apoio, temos que fazer alguma coisa, mas temos que fazer com amor e não com raiva. A ajuda só pode vir se as relações forem mediadas com uma boa dose de amor. E talvez o que eu considere mais importante, não desistir, por mais cansativo que seja travar o diálogo com a escola. Não desista. Não sabemos se o que estamos fazemos está certo, mas é na tentativa, é reinventando formas que vamos conseguir.

O que eu quero contar aqui, é que o desfralde de uma criança com TEA envolve muito mais que a criança em si e seu aprendizado, é uma etapa complicada para nós pais, pois são muitas relações com os outros que temos que administrar, são muitas questões emocionais envolvidas e toda essa dificuldade pode nos fazer desistir do desfralde, uma vez que não se trata apenas da nossa vontade e aprendizado da criança.  Nós passamos por tantas dificuldades, que às vezes esmorecemos, mas, quando decidir fazer o desfralde, vá até o fim. A única pessoa que vai te afirmar se seus esforços estão certos ou não é o resultado que vai obter com seu filho, e isso pode levar tempo. Paciência também é fundamental.

Superada essa etapa, em breve relatarei outras dificuldades que tivemos que superar neste processo de desfralde, como, por exemplo, o comportamento desafiador do Léo, e a ensinar a sentar no vaso. Como disse são muitas relações que envolvem esse processo. Até breve.


Nota* Sobre a professora do Léo ela seguiu junto este ano e estamos muito contentes com a relação estabelecida. Sinceramente espero que ela possa ficar com a turma dele ano que vem também.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Observatório Livre de novo visual



Perceberam que o blog Observatório Livre está de visual novo?

Mudei o plano de fundo para verde claro e as letras ficaram escuras, pois assim fica mais nítido, de modo que mais pessoas consigam ler. Recebi esse pedido de uma leitora muito querida para que fizesse tal modificação, e também me deparei com alguns amigos que tem glaucoma, e outros que possuem deficiências visuais diversas.

Lembrei de um ex-aluno, que estava na quinta série, e que usava óculos com lentes muito grossas. O menino era muito peralta, e vivia com os óculos quebrados e, até que os óculos fossem arrumados, ficava com os olhos apertados tentando enxergar.

Como era uma criança carente, uma vez  pedi para que sua mãe me desse a receita para que fizesse um par de óculos novos para ele. Quando cheguei na ótica que costumo fazer meus óculos, tive uma surpresa. O senhor que me atendeu disse que teria que trazer o garoto, pois precisava tirar medidas, que aquela lente era muito forte e a criança era praticamente não enxergava, mesmo quando usava as lentes ainda tinha dificuldades, principalmente para ler.

O garoto estava na quinta-série, mas já havia repetido as séries iniciais por ter demorado para se alfabetizar. Também pudera, com aquela dificuldade toda para enxergar (além de questões socioeconômicas que a família enfrentava).

Um conhecido da Paróquia local tratou de levar a criança e fez uma armação de óculos mais reforçada. Numa reunião pedagógica lancei a ideia de que os trabalhos daquele aluno deveriam ser impressos com letras maiores. 

Lembro-me quando ele pegou a avaliação de Geografia, matéria que eu lecionava, ficou olhando, admirado para aquelas letras grandes e me perguntou: "Essa prova é para mim?" Respondi que sim. Ele abriu um sorriso maroto e se concentrou em fazer a prova toda expressando alegria.

Isso já faz alguns anos. Depois mudei de escola. Mas, antes disso, coleciono algumas histórias com esse aluno e sua irmã, que também foi minha aluna. Infelizmente, não sei nada deles hoje. Espero que estejam bem, que tenham superado as adversidades daquela época. Guardo-os no coração.


Somos muitos, somos diferentes e temos que respeitar nossas diferenças para que delas não surjam as desigualdades e sim respeito e igualdade.

sábado, 18 de junho de 2016

Hoje cinzas, mas sempre Fênix




Você pode se perguntar por que o nome da página do facebook chama Autismo e Maternidade Fênix.

Porque ser mãe de uma criança especial é perceber situações que muitas vezes nossos filhos não percebem, e determinadas situações nos reduzem a cinzas, e temos que de alguma forma juntar essas cinzas e nos erguer mais fortes para lutar para que essas situações não tornem a ocorrer. Temos que escolher entre calar e falar. No meu caso, escolhi escrever.

Esse foi um mês particularmente difícil de enfrentar. Passamos por uma situação com uma pediatra que arranjou um jeito de nos dizer que não queria ver o meu filho novamente. Passamos por outra situação em que um projeto social, que rende lucro a uma empresa, nos excluísse por conta de números que, para eles, não foram suficientes. E hoje, ao tentar colocar o Léo na quadrilha na festa junina de sua escola, ao tentar fazer a professora e uma criança segurar a mão dele para ver se ele ficava junto das crianças durante a dança, fomos ignorados. Tive que sair abaixada para não atrapalhar a filmagem das outras mães que tentavam um lugar ao sol para filmarem seus filhos, enquanto o Léo ficou perambulando pela quadra sem saber o que fazer. Em um instante ele viu as crianças se aglomerarem numa roda da dança, se aproximou, mas como não conseguiu entrar novamente, foi procurar uma saída da quadra. Passou por debaixo da corda que delimitava o espaço da dança e passou por entre as pernas das pessoas que deram espaço para ele, mas não nos deixaram passar com medo de perder o lugar.

Neste momento me deu um frio na barriga, pois poderia perder o Léo de vista no meio das pessoas que estavam alheias a nossa situação. Por sorte o papai estava melhor posicionado que eu e atento, e conseguiu pegar o Léo.

Fomos embora na hora. Mas não antes de manifestar minha indignação com o coordenador da escola, que ficou sem reação, pois não esperava minha abordagem.

Saí com um nó na garganta. Um choro preso nos olhos. Fomos para a praça brincar. Fomos para um lugar seguro, onde o Léo pudesse se divertir. Pude me refazer e seguir a programação do nosso fim de semana.

Sabe quando você vai ao banco e por alguma questão burocrática ou técnica não consegue pegar seu dinheiro? Sabe quando isso acontece, e você precisa do dinheiro, mas os funcionários do banco te tratam como se estivesse pedindo uma esmola? Como se aquele dinheiro que está no banco não fosse seu, mas do banco?

Às vezes essa sensação me vem também quando penso na Inclusão Escolar, na Inclusão Social. Parece que estamos pedindo esmolas, e não que isso é um direito.

Sei que o Léo não iria dançar, mas poderia estar da forma dele com o grupo de crianças que convive. Mas parece que no espetáculo junino não cabia a gente.

E é assim que nós mães nos retiramos junto dos nossos filhos dos espaços de convivência social.
É por situações assim que deixamos de ir ao cinema, festas juninas, médicos e tantos outros lugares.

Hoje eu cheguei a pensar, “não vou na festa junina ano que vem”, assim como não vou voltar naquela pediatra. Mas é assim que essas pessoas nos excluem, e o que é pior, nos jogam a responsabilidade de nos isolarmos, afinal somos nós que não levamos nossos filhos aos lugares, e não eles que nos expulsaram. Isso é injusto!

Certa ocasião um colega me falou: “Eu acho que você se preocupa muito com a opinião dos outros com relação ao Léo. Não dá para modificar as pessoas, deixa elas para lá! Não adianta ficar falando!” Não contra argumentei como eu queria em nome da PAZ. Às vezes, em nome da PAZ a gente engole nossos argumentos.

Nós, mães Fênix, não podemos deixar tudo para lá. E não podemos nos ausentar da sociedade e viver uma vida de reclusão. É claro que vamos evitar algumas pessoas ou lugares se entendermos que isso vai ser demais para nossos filhos, mas não podemos deixar que a opinião dos outros nos vença.

Nós, mães Fênix, não podemos nos retirar de nossas lutas, pois essa é a nossa vida, esses são nossos filhos, e não estamos pedindo esmolas para existir, para estarmos onde quisermos. Não devemos nos esconder em casa, nossos filhos PODEM estar onde quiser! Nós PODEMOS!

E se eu achar que devemos estar em algum lugar, pois temos vida e queremos ser felizes, e o restante dos envolvidos achar que não pode, tenham certeza que EU não vou me retirar.
 Eu não vou deixar de falar. Podem não querer ouvir, achar ruim, me chamar de louca, de chata, mas não vou me recolher, não em nome dessa PAZ disfarçada de EXCLUSÃO, de achar que não pode existir espaço para nós.

A PAZ é para quando tudo está bem. Caso contrário, depois das cinzas eu sou FÊNIX, e não vou desistir das nossas lutas.

Nós existimos. No Brasil estima-se que somos 2 milhões. E estamos aqui!



Não sei se o Léo um dia vai dançar quadrilha, não sei como a próxima pediatra vai nos atender, não sei de muitas coisas. O que eu sei? Sei das muitas coisas incríveis que me filho já faz e que não fazia. E, como diz uma das mães que lançam voos de Fênix, e que é uma das que mais me inspiram, Anita Brito: “Tudo é 100% possível se você tentar 100%”.


Portanto, hoje eu vou dormir em paz. Mas a luta continua.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Ele vai falar


“O amor é ausência de julgamento”
Dalai lama

Acho que uma das condições do Transtorno do Espectro Autista que o Léo apresenta que mais me fez explicar coisas aos outros é a condição dele ser não verbal.  Aliás, foi por questões de   atraso de linguagem que começamos essa jornada.

São inúmeras as situações que passamos, pois conforme uma criança neurotípica vai crescendo, uma progressão natural é o desenvolvimento da fala. Crianças nos falam as coisas mais impressionantes. Todos os pais de crianças neurotípicas têm surpresas com as observações sobre o mundo que seus filhos fazem, e eternizam essas falas na memória.

É comum nós adultos puxarmos conversa com crianças quando as encontramos. Já escrevi sobre isso no texto Elevador. Situações parecidas com aquela continuam frequentes, mas não só nos elevadores. Ocorrem também na padaria, na fila do mercado, na pracinha, etc. Sempre há alguém disposto a falar com o Léo como se fosse uma criança neurotípica. E quando isso acontece é inevitável explicar a condição de autista não verbal, e a reação mais comum das pessoas é: “Nossa, nem dá para perceber que ele é autista, se você não falasse”. Algumas ficam constrangidas e dizem “Ah, mas ele vai falar, tenha fé em Deus. Deus só dá filhos especiais para pais especiais”. Quando o Léo não responde e eu ainda não falei nada para a pessoa, geralmente vem a pergunta: “Quantos anos ele tem?”. Felizmente temos encontrado muitas pessoas que conhecem outras crianças autistas, que nos relatam suas experiências com elas de uma forma naturalizada.

O Léo falou sua primeira palavra aos 11 meses. Lembro-me perfeitamente deste momento: estava sentado no cadeirão, eu sentada na sua frente dando comida na boquinha, ele olhou para o copo de água que estava sobre a mesa e disse “ÁGUA, ÁGUA”. Foi emocionante. Daí em diante falava “água” quando estava na banheira na hora do banho, para as ondas do mar, para a chuva. Falou ainda mais algumas palavras importantes como Mamamá (mamãe), Papum (papai), nananá (banana), peta (chupeta), tetê (mamadeira), abe (abre). O Léo reconhecia a priminha Bia, a vovó e o vovó nas fotografias, fazia gestos com as mãozinhas para cantar pintinho amarelinho, e a música “tra, lá, trá lalala...”, mandava beijos e dava tchau, batia palminhas, dançava quando cantava a música do “pula pula saci”, era um bebê risonho e ia no colo de todo mundo. Sabemos que tudo isso mudou. Não sei precisar exatamente quando e como. Mas ninguém vai tirar isso de nós, nem mesmo o Autismo, nem mesmo o esquecimento das pessoas que só lembram de quando ele parou de tentar se comunicar.

Uma questão que nos consumiu foi dar voz a uma criança que não fala. Existem autistas não verbais, existem autistas verbais, existem autista com mutismo seletivo (fala quando quer e o que  quer, e geralmente escolhe lugares e pessoas para que essa fala ocorra, não se repetindo em outros lugares ou com outras pessoas). Existe autistas com ecolalias (repete frases que ouve ou ouviu e que por algum motivo ficou na memória). Geralmente essas frases são ditas sem contexto adequado. Há também aqueles que passam anos sem falar e voltam a falar depois, alguns morosamente outros fluidamente.

Para nós pais, saber de tudo isso serve para quê, se não sabemos o que vai de fato acontecer com nossos filhos não verbais?

Serve para termos ESPERANÇA. Serve para não desistirmos de ajudá-los. Serve para procurar terapias que estimulam a fala, e formas de comunicação alternativas que possam fazer com que saibam que podem se comunicar, para que saibam que falar não é a única forma de se expressar. Serve principalmente para respeitar nossos filhos pelo que são hoje.

É quase senso comum que autistas são mais visuais do que pessoas neurotípicas. Sendo assim,  parte das terapias é estruturada em pistas visuais (mostramos as imagens e falamos ao invés de só ficar apenas na comunicação oral, organizamos quadro de rotinas em casa, na escola, tudo com pistas visuais com lugares, pessoas, atividades que irão realizar).

Foi então que as PECS(Picture Exchange Communication System, ou Sistema de Comunicaçãopor Troca de Imagens) surgiram na nossa vida, como uma comunicação alternativa apoiada nas pistas visuais. Passamos então a adotar essa metodologia de ensino para o desenvolvimento da linguagem do Leonardo. Existem críticos a essa metodologia, acreditam que atrasa ainda mais a fala, uma vez que a criança teria “preguiça” para falar, afinal ela consegue se comunicar sem precisar se “esforçar” para falar, usando as imagens ou a escrita.

Muitas pessoas já vieram me perguntar sobre o que eu acho disso. Pessoas sem filhos, com filhos neurotípicos, com filhos autistas verbais e com filhos autistas não verbais. Acho muito interessante quando me questionam, pois neste momento posso esclarecer que autista não falam por existir alguma forma de “preguiça”, pois eles entendem tudo, são inteligentes e não querem falar, ou então, que ainda não amadureceram o suficiente para falar. Não devemos fazer esse tipo de analise, pois na questão do Transtorno do Espectro Autista há uma deficiência neurológica que trás a dificuldade da comunicação e linguagem. Portanto, essas pessoas tem uma real dificuldade em organizar e estruturar seu pensamento para que haja comunicação, ainda mais no campo verbal.

Portanto, mesmo utilizando a PECS, há um imenso esforço para que a criança autista aprenda que pode se comunicar, tanto que não é uma simples troca de imagem pelo objeto desejado. São fases diferentes a serem avançadas para que a criança aprenda com autonomia o uso das PECS. Estas fases dependem muito do desenvolvimento de cada criança, algumas demoram mais que as outras para passar de uma fase para outra.

Dito isso, posso falar da nossa experiência.

Ensinar uma forma alternativa de comunicação não foi dar um “apoio” para que não fale. Ao contrário, foi dar ao Léo a possibilidade de saber que ele pode se comunicar, que estaremos aqui para compreendê-lo, que saberemos dar-lhe aquilo para o que precisar. A comunicação alternativa é a construção de uma ponte para que juntos possamos atravessar. Nós nunca poderemos ir até o mundo particular do autista, mas podemos ajudá-lo para que tenha uma ponte para quando quiser e puder atravessar e também recuar, mas que possa vir até nós.



Como já disse, a metodologia da PECS tem várias fases, e por isso é necessário encontrar profissionais que saibam fazer a terapia. E ainda há a possibilidade de os próprios pais fazerem os cursos para serem aplicadores para seus filhos. Mas é um longo caminho. Eu tive certa facilidade em estudar e aplicar algumas técnicas, pois sou psicopedagoga e fiz um curso de ABA (Applied Behavioral Analisys, ou Análise Comportamental Aplicada), onde tinha um módulo sobre comunicação alternativa, mas o Léo faz terapias com profissionais especializados, o que facilitou uma rápida aprendizagem dele.

Hoje ele tem uma pochete onde carrega um pequeno livrinho com fitas de velcro com imagens de comidas, brinquedos , atividades e objetos. Na primeira página tem uma tarjeta de velcro com a foto dele com uma pequena mão estendida e a frase “eu quero”. Assim ele escolhe a imagem do que quer, formando uma frase. Por exemplo: “Eu quero temaki”. Ele destaca a tarjeta com a frase, dá para alguém e aponta com o dedinho indicador as duas imagens, o adulto deve ler em voz alta para junto com ele: “Eu quero temaki”.



E se não tiver o que ele está pedindo? Acontece o mesmo que você faria se fosse uma criança neurotípica, diz que acabou, ou que agora não tem, ou que depois você dá.

Mas, o mais magnifico disso tudo é que eu sei o que meu filho quer. O mais importante disso é que ele SABE que pode se COMUNICAR, que pode PEDIR. Esse tipo de comunicação diminuiu as birras, as frustrações, aumentou o grau de entendimento do sobre as coisas, sobre comandos. Hoje o Léo é uma criança muito mais tranquila, integrada, segura e feliz, pois não fica mais tanto tempo frustrado por não conseguir se comunicar. Claro que muitas coisas ainda são difíceis de compreender. Por exemplo, ele ainda não consegue expressar se está com dor, onde dói, se está com calor ou frio. 
Enfim, há limitações. Estamos construindo um caminho no qual a paciência é fundamental.

Mas ao dar essa alternativa para meu filho eu estou respeitando sua identidade, respeitando quem ele é hoje, pois sim, temos a ESPERANÇA que ele venha a falar. Ter esperança é diferente de ter certeza, sabe porque? Porque meu filho não fala por que ele não quer. Ele não fala porque isso é extremamente difícil para ele.

Recentemente, foi nos apontado a questão da Apraxia da Fala Infantil, que é uma espécie de distúrbio motor da fala, caracterizado pela dificuldade de programação e planejamento das sequências dos movimentos motores da fala, resultando em erros na produção dos sons. Portanto, o Léo tem mais um obstáculo para vencer. E a certeza que tenho é do esforço que ele faz, do tamanho do guerreiro que ele é. E, para mim ele já um vencedor onde quer que chegue, verbal ou não verbal.



Dizer que “tenho certeza que ele vai falar”, sabendo que ele está me ouvindo e me compreendendo, pode gerar um stress muito grande para ele, uma pressão desnecessária, daquelas do tipo que sofrem as crianças que não conseguem ser aquilo que seus pais queriam que fossem. Por exemplo, pais que idealizam o filho atleta, campeão olímpico, mas a criança não gosta do determinado esporte, ou tem alguma outra limitação e o pai insiste que ela tem que superar, pois tem certeza que será campeão. Não dá, né? Isso não se faz, embora saibamos que ocorram diversos casos por aí.

O Léo é o que é. E ele é maravilhoso! Não dá para ficar esperando ele falar para falar com ele ou achar ele interessante ou importante só depois que falar. Temos que respeitá-lo. E para isso estou aqui. Ele é diferente, e não inferior a ninguém, por não falar. Não vai receber esse tipo de pressão de nós pais, e não vamos deixar que ninguém o faça. Por isso faço tanta questão de esclarecer alguns pontos sobre o autismo não verbal sempre que identifico uma situação em que há a necessidade.

Não vou idealizar meu filho. Mas também não vou perder a esperança nele. Vou curtir ele como ele é hoje e como será amanhã. E sim, eu sonho com ele moço batendo um papo comigo. Nos meus sonhos ele tem o cabelo raspado, usa um brinco de argola, camisa de flanela xadrez azul e preta, calça jeans com uma corrente do lado e coturno, praticamente um punk. Ele é alto e tem a voz grossa, me chama de mãe, e eu penso “nossa é o Léo”, geralmente eu acordo, com a barriga gelada. Tive algumas vezes esse sonho. Não me importo com a aparência dele, é um moço lindo. No sonho o que mais me chama a atenção é aquele moço grande me chamar de mãe e começar a conversar comigo. Não lembro do que conversamos.

Quando falo que não tenho certeza se ele vai falar, não é pessimismo, é respeito, pois sei o quanto é difícil isso para ele. Tenho esperança que não seja impossível, mas ainda não sei como será. Pode ser que a fala venha morosa, com ecolalias, ou mesmo nunca venha. Não dá para saber. Mas o que vier vai ser comemorado, assim como hoje comemoramos cada fase da PECS, cada nova surpresa que ele nos revela, cada palavrinha que fala e depois passa semanas e semanas sem pronunciá-las. Apoiamos, estimulamos, acompanhamos as terapias, estudamos, mas sem pressão, respeitando quem ele é hoje! Isso vai dar a base sólida e segura para onde vai chegar.

E eu andei conversando com algumas mães de crianças não verbais e concordamos que é muito desconfortável ouvir dos outros a frase: “Quando ele quiser ele vai falar!”, como se nossas crianças não estivessem fazendo nenhum esforço, como se não estivessem travando verdadeiras batalhas internas para poder falar, como se fosse uma escolha deles ficarem em silêncio e frustrados por não conseguirem se expressar. Muitas pessoas dizem isso sem pensar no que de fato acontece com nossas crianças guerreiras, com nós mães fênix, como se estivessem amenizando a situação, querendo dizer tudo vai ficar bem. Eu procuro compreender as intenções de várias colocações, mas as vezes é hora de nos posicionar e fazer também com que os outros possam entender nossas intenções e nossa realidade.

Essas crianças fazem horas e horas de terapias, vão à escola, passam por milhares de desafios sensoriais, são guerreiras. E o Léo é um guerreiro, vejo nele a vontade de falar, o esforço que faz. Não depende de um “ele vai falar quando quiser”. Ele já quer! Mas precisa aprender a se reorganizar e isso pode levar tempo. Não tem problema, estaremos aqui para ajudá-lo e respeitar cada fase de seu ritmo e deixar claro que nunca nos decepcionará caso não fale e, principalmente, não será uma pessoa menos importante se não falar, pois falar é apenas uma das tantas maneiras que o ser humana tem para se expressar e vamos sempre respeitar o modo de comunicação que o Léo alcançar.


 E sim, ficaremos muito felizes se ele falar. Mas meu filho já é um campeão da comunicação! E terá sempre nosso respeito e apoio pelo o que é hoje e pelo que se tornará amanhã incondicionalmente. 

sábado, 23 de abril de 2016

O autismo como comparação negativa: nunca mais.



Esta semana, alguns amigos, que também são pais e mães de autistas, compartilharam seus depoimentos indignados com o artigo do jornalista Rui Martins, no Correio do Brasil, em que diz:
O autista além de sofrer problemas de comunicação vive fora da realidade e isso nos leva a pensar se a presidente Dilma e o PT, isso engloba o site 247 e os blogueiros, não seriam todos autistas. Por que essa impressão? Ela vem da fragorosa derrota de Dilma na votação para a admissibilidade do pedido de destituição de Dilma pela Câmara Federal.
Por que Dilma e o PT aceitaram ser massacrados publicamente diante de milhões de brasileiros, num ato político transformado em espetáculo de televisão, cada voto comemorado como um gol, a ponto da comentarista do Canal France24 comparar a crise e o povo nas ruas como uma final de campeonato?

 Acho muito interessante quando esse tipo de discurso vem de alguém que se diz jornalista de esquerda, como escreveu em outra matéria:
... Assim, realmente, não dá para se entender a política de comunicação do governo. Será que todos nós jornalistas de esquerda que votamos na Dilma somos paspalhos?

Nós, pais de autistas, somos de esquerda, somos de direita, somos de centro-esquerda ou centro-direita, ou qualquer outro rótulo político que queiram nos dar. Mas sabe o que o somos mesmo? MÃES, PAIS E IRMÃOS DE AUTISTAS.

Sentimos na pele o que é fazer parte das minorias do Brasil. Estamos lutando num mar revolto, onde fomos lançados agora, e onde o Autismo só passou a ser visto como deficiência no Brasil em 2012, e a lei que nos dá direitos apenas em 2014.

Portanto, está muito enganado quem acha que pode sair escrevendo e comparando quem quer que seja, de forma pejorativa, com nossos FILHOS, NETOS e IRMÃOS AUTISTAS, ainda mais quem escreve em caráter de correspondente internacional.

Não dá para achar que uma busca rápida no Google definiria o uso da palavra autista. Pesquise mais, pesquise mesmo no Google, e pesquise mais, pois o Google não dá conta da nossa realidade, e o papel de um jornalista é apurar não apenas os fatos, mas também a realidade que o cerca.
Se o próprio Rui Martins comparasse de forma pejorativa autistas com políticos europeus num jornal da França ou da Suíça, seria bem possível que nem sequer fosse publicado. Chamariam sua atenção, o editor pediria para refazer essa parte, afinal o senhor mesmo escreveu que aí no velho mundo as coisas são bem diferente na mídia:
Aqui na Europa, onde acabei ficando depois da ditadura militar, existe um equilíbrio na mídia. A França tem Le Figaro, mas existe também o Libération e o Nouvel Observateur. Em todos os países existem opções de direita e de esquerda na mídia. E os jornais de esquerda têm também publicidade pública e privada que lhes permitem manter uma boa qualidade e pagar bons salários aos jornalistas.

Quando li esta matéria, vi muitos pais escrevendo na caixa de comentários, e depois fiquei sabendo que o autor nem sequer se importou, assim como o editor e o jornal, que poderiam seguir o exemplo de qualidade que Martins escreve. Fiquei pensando se realmente deveria gastar meu tempo para escrever também, mas sobrou um tempinho e cá estou tentando explanar minhas ideias.

Fiz uma pesquisa rápida para saber quem é o jornalista, para não cair no mesmo equívoco que ele.  Ele tem uma bela carreira, no entanto, de suas causas e livros publicados não encontrei nada que tenha me encantado a ponto de defendê-lo, dizendo que poderia ter se equivocado ao usar o termo Autista no atual cenário politico. Ele é inteligente o suficiente para saber que esta menção pejorativa incomodaria a nós, pais de autistas (ou qualquer outra pessoa com empatia suficiente pela causa). Mas, para ele, sabe quem somos nós? Somos o que chamam de minorias irrelevantes. E, posso estar enganada, mas enquanto ele não repensar o uso da expressão que usou, participará do lado das pessoas que acham que as minorias não deveriam exigir seus direitos, e deveriam obedecer a ordem do que já está institucionalizado e pronto.  Quem formam os grupos de minorias? Mulheres, negros, indígenas, população LGBT, população camponesa e pescadora, deficientes, pobres, etc. São populações que sofrem desigualdade na sua história econômica, discriminações por fatores étnicos, físicos ou genéticos, culturais ou religiosos. Portanto, deficientes entram historicamente neste conceito de minoria.

Podemos ser chamados de minorias, mas somos tantos que um dia estava dando uma aula e ao ler um texto sobre o assunto, um aluno questionou: “Professora, se somar todas as minorias deveriam nos chamar de maioria”.

Pois é, talvez meu aluno tenha razão, o problema é que raramente essas minorias se unem. Eu mesmo já vi mães de autistas ficarem revoltadas porque outra destas minorias teve um direito aprovado e executado, enquanto deveríamos tirar o exemplo e ver como conquistaram tal ganho e tentar fazer o mesmo. Dividir sempre diminui o que temos para ganhar se podemos compartilhar.

Recentemente a atriz Fernanda Torres escreveu algo que, para ela, não era ofensivo sobre as cantadas que as mulheres recebem todos os dias nas ruas. Mas esse texto acabou por causar tumultos nas redes sociais, pois indignou muitas mulheres. A atriz refletiu sobre o que escreveu, e sobre o que as mulheres escreviam de volta, e percebeu que o que falou não condizia mais com o atual curso que as mulheres tomaram na História. E sim, ela se retratou. Eu vi sua entrevista no Canal Brasil (programa Conversa Afiada) onde ela responde de uma forma super bacana sua reflexão sobre o tema, e sua retratação com as mulheres. Olha que coisa maravilhosa, entender que às vezes uma expressão não é algo rígido, alheio às transformações socioculturais, que as expressões se transformam junto das instituições sociais.

Seria muito bacana também se o jornal e o jornalista viessem a público para uma reflexão e retratação, afinal a matéria esta rendendo muito mais por explorar de forma negativa o uso da denominação Autista do que em sua medíocre argumentação política.

O Autismo não tem o mesmo significado do passado. Aliás, a pouco menos de 20 anos quem sabia o que era Autismo?  Muitos autistas nem foram reconhecidos como autistas por falta de conhecimento dos médicos, da comunidade científica e também de pais, que não queriam seus filhos numa condição que poderiam ser tratados de uma forma tão pesada e negativa como faz parecer Rui Martins em seu “inocente” texto sobre a Dilma e o PT, que, aliás, é tomado de chavões e argumentos pífios de uma mídia golpista. Até porque, me parece, que o jornalista gosta de crescer na polêmica para ser lido, não importando a qualidade do texto, mas sim a repercussão em cima da polêmica vazia. Já encontrei outro blogueiro usando a palavra Autismo da mesma forma negativa, validando os argumentos do jornalista Martins. Neste blog  diversos pais postaram nos comentários o alerta sobre o uso da denominação “autista”, e outros, indignados com o uso da expressão em comparações politicas. Com isso o blogueiro está apenas ganhando leitores, uma armadilha simplória para atrair leitores nas estatísticas de seu blog. Para aumentar a falsa polêmica usa ainda a denominação Canhoto como expressão negativa. Para uns pode parecer estranha a comparação, mas não faz muito tempo os canhotos também já foram fortemente discriminados, tidos como criaturas demoníacas e sendo obrigadas a se tornar destras.

Nas ultimas décadas do século XX nasceu uma Democracia no Brasil. Uma Democracia criança, que precisou aprender a andar e a seguir seu caminho (Constituição de 1988), mas, neste caminho, muitos que acompanharam o crescimento desta jovem Democracia eram aqueles que estiveram contra ela na Ditadura.

A Democracia cresceu, as minorias ganharam vozes, transformaram-se em movimentos sociais e, recentemente, a população de deficientes também passou a ser ouvida. Mas ainda estamos muito longe de sermos enxergados como um movimento como o de outras minorias que já consolidaram suas lutas dentro do viés politico institucional. Portanto, não podemos deixar passar em silêncio que usem a palavra AUTISTA como forma negativa de expressar qualquer indivíduo na sociedade. E temos que estar atentos, pois sem democracia, voltaremos a ser a minoria marginalizada, reprimida e sem voz.
Para quem assistiu na Suíça e teve a percepção que o processo do impeachment foi tratado por nossos políticos como jogo de futebol, saiba que para muitos brasileiros que são a favor do voto SIM ou NÃO, aquilo tudo foi um palco da vergonha.

E, sim acabou o tempo em que para falar mal de uma situação ou de alguém poderia se expressar dizendo “Isso é programa ou coisa de índio”, “Isso é coisa de mulherzinha”, “Até parece serviço de preto”, “É muita viadagem”, “Isso é coisa de Homem”, “Parece autista”, “Maneira canhestra de agir”, etc. Enfim, se continuar a se expressar assim, melhor procurar uma máquina do tempo e voltar para algum lugar antes de 1970. Talvez o século XVII seria o mais adequado. Porque aqui, neste século e neste momento histórico, tem gente que luta e ainda vamos fazer de nossas diferentes minorias uma força da maioria. Afinal ainda temos a Democracia e não vamos deixar de lutar por ela.

Nota final: meu filho, além de autista, é canhoto.


Obs: Os links para as matérias foram encurtados usando o serviço NãoFode.xyz (http://naofode.xyz/) apenas para não contribuir para o crescimento dos pageviews das páginas citadas em cima dessa polêmica vazia e reprovável.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Inclusão Escolar: o dilema de conjugar escola e família.



Falar sobre Inclusão Escolar é bastante complexo. Nem sei exatamente por onde começar, pois sou professora, psicopedagoga e mãe de uma criança autista. Se por um lado eu entendo as dificuldades do educador em praticar a Inclusão em sala de aula, por outro lado sou mãe e sinto a urgência desta prática dentro da escola.

Poderia narrar minha experiência como mãe que luta pela Inclusão Escolar, como tenho feito nos outros textos, relatando os acontecimentos mais doloridos e outros felizes deste caminho. Ou partir para a minha experiência muito maior como professora, pois tenho mais experiência na Educação formal escolar do que neste papel de mãe.

Como mãe e como professora, sou defensora ardente da Inclusão Escolar. Mesmo antes de ter o Léo, sempre acreditei no caminho da Inclusão. Crença esta que não diminuiu mesmo passando por diversas dificuldades para conseguir incluir meus alunos. Nunca neguei a possibilidade de Inclusão, mesmo sabendo das minhas diversas limitações pessoais tanto na esfera do conhecimento necessário quanto das infraestruturas oferecidas pelas escolas em que trabalho ou onde já trabalhei. Mas vejo que é um pouco mais fácil criticar as questões de inclusão escolar no papel de professora, pois não sou responsável pelo aluno por toda sua vida. Tenho sim um papel fundamental em sua formação, mas ele é momentâneo e transitório. Mas ser mãe e criticar a Inclusão é lutar contra o corporativismo escolar, é tratar de um tema que você gostaria de denunciar e escancarar, não apenas com questões relacionadas às crianças, mas como nós, mães e pais, somos tratados. No entanto, fazer esse tipo denúncia pode nos trazer problemas, uma vez que essas pessoas são as mesmas com quem você deixa seu filho durante horas do dia, e é preciso tomar cuidado para que uma crítica, mesmo construtiva, não interfira na relação entre eles e seu filho.

Vou elaborar uma série de textos sobre Inclusão Escolar, onde trarei as minhas 3 versões: Professora, Psicopedagoga e Mãe. Não me acovardarei falando apenas como profissional, pois lutar por Inclusão como Mãe é mais dolorido, devido à falta empatia por parte dos profissionais envolvidos, que muitas vezes confundem a Inclusão de um aluno com deficiência com uma mera inserção, eliminando os benefícios da primeira em nome de uma praticidade e de comodismo que não trazem nenhum benefício pedagógico à criança.

Se, por um lado, as escolas reclamam que os pais não participam, que apenas colocam seus filhos e acham que a escola tem a obrigação de dar conta da situação, dizendo que “os pais não participam da vida escolar”, quando se deparam com uma família participativa, reclamam que a mãe é “implicante”, “superprotetora”, e que “não deixa a escola trabalhar”. É um paradoxo, que seria resolvido se houvesse empatia com a vida destes pais e familiares que criam uma criança deficiente. Claro, não são todos os profissionais da Educação que pensam desta forma, mas uma grande parte ainda faz este tipo de discurso.

Como eu sei disso? Já trabalhei em 11 escolas públicas, já trabalhei da pré-escola ao ensino médio, em todas as séries, e também já lecionei em 3 escolas particulares, fundamental e médio. É importante salientar que, em todos esses locais, sempre encontrei um grupo de professores e de funcionários que pensam e agem de forma diferente, acolhendo as famílias e acompanhando as crianças especiais. E são esses profissionais que desempenham um papel fundamental para a construção da Inclusão da maneira correta. Alguns destes bons profissionais se guiam apenas pelo tato ou pelo bom senso, e realizam um bom trabalho dentro do que é possível, pois encontram pouca ou nenhuma infraestrutura para realiza-lo. Há outros que vão a fundo, estudam sobre a deficiência que o aluno tem, observam o aluno, preparam atividades diferenciadas, mas com objetivo e metodologia, avaliam seu trabalho e o desempenho que a criança teve, observam o que pode melhorar e o que mais precisam estudar. Tem gente que adora um bom desafio. Estes profissionais sonham, cantam, são pessoas felizes dentro e fora da sala de aula, amam o que fazem, e por isso se emocionam com cada conquista do aluno especial como se fosse sua. E, muitas vezes, é dele também. Eu tenho alguns colegas de trabalho com essas características e já trabalhei anteriormente com profissionais assim.

Muitos trabalhos acadêmicos sobre a Educação contemporânea destacam a tríade Escola, Família e Comunidade. Diversas pesquisas na área pedagógica apontam a importância da participação da família no processo da Inclusão Escolar. Algumas escolas compreendem isso e acolhem pais, recebendo suas informações sobre as demandas das crianças deficientes. Já outras escolas acham os pais intrusos ou castradores de seu trabalho. Há uma insegurança, pois parece que a família está ali não para ajudar, mas para espionar e reclamar. Usam um discurso pronto sobre a participação da família, mas não conseguem trabalhar em parceria. Pelo contrário, podem se tornar até mesmo adversários.
E quem sai perdendo é a criança, que vai receber mais estigmas por ter uma família “assim ou assado”. Além de ser extremamente triste, pois nós pais só queremos ajudar os profissionais a entenderem como podem fazer para atender as necessidades de nossos filhos.

A Inclusão Escolar de forma alguma deve ser uma guerra entre família e escola, mas nem sempre essa parceria é possível.

Para você que é professor e não tem filho especial, saiba que nós, pais de filhos deficientes, somos inseguros, uma maioria sofre de depressão e transtornos de ansiedade, mas também somos muito dedicados, pois passamos por situações na vida, antes de chegar na sua escola ou na sua sala de aula, que você nem imagina. O que queremos – ou melhor, o que precisamos – é nos sentir seguros. Não transfiram para os pais a responsabilidade do governo em relação às escolas públicas, pelo fato de não promoverem capacitações, ajustes na estrutura dos prédios, funcionários, etc. Nem transfira para os pais a falta de investimento das escolas particulares para questões de Inclusão escolar. Todos têm sua parte nesta tarefa, e apenas trabalhando em conjunto a Inclusão plena pode acontecer. A família pode somar nesta construção, pois é ela que tem a maior quantidade de informações sobre a criança/aluno em questão, e esse conhecimento pode vir a ajudar a enfrentar as barreiras impostas pela falta de recursos ou de apoio. Temos que lutar para evoluir nessa questão, não apenas remediar. Existem muitos casos em que podemos ir muito longe na direção da Inclusão Escolar, apenas tomando alguns cuidados básicos e praticando constantemente o diálogo.

A escola onde o Léo estudou neste primeiro ano após o diagnóstico é pública. É uma ótima escola, com ótimos profissionais. Mas são humanos como nós, e que também podem falhar. Em alguns casos eles reconheceram os erros, mas em outros houve um claro corporativismo, com o intuito de minimizar esses problemas. Mesmo com eles me afirmando que isso não aconteceu, tem coisas que são muito nítidas, só não vê quem não quer ou não tem interesse em assumir e aprender.

A principio nos acolheram muito bem. Mas foi na primeira situação grave, que não necessariamente envolveu a questão do meu filho ser especial ou neurotípico (falarei desta situação em outro texto), o tratamento mudou. O diálogo ficou travado. Por vezes, ficava confusa, pois a professora relatava por escrito uma situação, e a direção/coordenação dizia outra. A coordenadora, a vice-diretora e uma das secretárias sempre foram ótimas comigo, sempre me atenderam prontamente, mas ainda assim faltou colocar o diálogo família/escola/professor de maneira mais suave, de modo que a comunicação fluísse com maior harmonia, pois todos nós tínhamos apenas o objetivo: o bem estar e o desenvolvimento do Léo.

O papel da Coordenação e da Direção devem mediar o diálogo, não interferir apenas para evitar possíveis conflitos. Muitas vezes conflitos são necessários, e podem ser facilmente resolvidos se estivermos juntos, e com um objetivo comum de promover a Inclusão.

Pais, não deixem de lutar, de falar, telefonar, mesmo que às vezes isso pareça chato. Nós temos que lutar por eles, somos as vozes de nossos filhos. Não temos que ver a escola como um adversário, mesmo que muitas vezes algumas pessoas se posicionem desta forma em relação a nós. Temos que tentar sempre o diálogo. Caso seja necessário, busque ajuda na Supervisão de Ensino da escola de seu filho. Geralmente nesses lugares existem responsáveis preparados para supervisionar a Inclusão Escolar e resolver conflitos. E, se achar que por algum motivo deva fazer um boletim de ocorrência, faça! Se por acaso o corporativismo surgir, você terá ao seu lado o Conselheiro Tutelar e todo um Fórum que defende Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Esse ano foi intenso. O Léo se desenvolveu muito. Foi um ano de muita adaptação para todos nós. E não quero culpar os funcionários e professores da escola, pois de certa forma eles também estão aprendendo.
O Leonardo passa 4 horas em terapias todos os dias antes de ir para a escola pública regular. É uma criança que vem com uma demanda diferente de outras crianças especiais. Foram estas terapias, as atividades complementares que faço com ele em casa, que foram responsáveis pelo seu salto no desenvolvimento. Claro, a escola, como fator de inclusão, teve um papel importante, e também não atrapalhou o processo terapêutico nas etapas que o Léo foi alcançando.

Ano que vem (2016) ele voltará para a escola se comunicando através das PECS (Sistema de comunicação por troca de figuras ou Pictures Exchange Communication System). Nossa grande preocupação é se vão respeitar o uso e o aprendizado do Leonardo que esse método proporcionou. E, para isso, sem sombras de dúvidas, teremos que afinar o diálogo, inclusive com as terapeutas do Léo se aproximando da Escola. Afinal, viver com o um autista não é só ensiná-lo, mas também aprender com ele e para ele.

O processo de Inclusão Escolar está começando agora, e ainda há muito por se fazer.  Os papéis ainda estão confusos. Qual papel do terapeuta na escola? Qual o papel dos pais? Qual papel da professora de apoio ao aluno especial? E a própria escola, enquanto Instituição Pública, que precisam de verbas que não dependem apenas da boa vontade do diretor, mas de uma série de burocracias da administração pública e gestões de governos, que na maioria das vezes emperram, dificultando o trabalho de todos os profissionais envolvidos?

Escuto muito: “Mas ninguém me ensinou na faculdade a lidar com autistas, surdos, cegos... Como querem que agora eu saiba? ”. Quando digo que a inclusão está começando agora é porque somos nós, professores, pais, psicopedagogos, diretores, coordenadores e orientadores, que seremos os pioneiros na sua realização. É essa geração, que hoje ocupa cargos ligados à educação, que construirá os meios e os métodos. Nós estamos no palco da História. Somos nós que ensinaremos os futuros professores com nossa experiência. Afinal, se nos doarmos a realizar as inclusões necessárias, construiremos um vasto conhecimento, para no futuro transmitir e ensinar aos jovens professores que virão.

Hoje, na sala de aula do Léo, tem uma estagiária que faz o apoio para ele. Não sei até que ponto ela se deu conta da oportunidade inestimável de aprender que está à sua frente. Mais que ensinar o Leonardo, ela poderá aprender sobre ele e, consequentemente, para si e para os próximos alunos autistas que virão. Poderá no futuro falar de cátedra sobre Inclusão Escolar, relatar sua experiência e até fazer dela algo científico, publicando e divulgando para os demais. Para isso, não somente a estagiária em questão, mas todos os envolvidos na questão da educação inclusiva, temos que tomar fôlego e enfrentar não só as dificuldades de não conhecer a criança ou as metodologias, mas principalmente a própria falta de infraestrutura que a escola hoje apresenta.E, de forma alguma, levar mais esta dor de cabeça para a família.

 Com a família discutiremos as questões da criança, como poderão ajudar. Uma mãe jamais deveria ouvir ou ler frases do tipo: “Tenho X alunos mais seu filho, e não vou trata-lo diferente pois tenho meus outros alunos! ”. Atenção educadores: os pais sabem de suas dificuldades, mas peçam ajuda e não transfiram para a família um problema que é de ordem escolar e, além de tudo, um direito da criança e da família. Pais de crianças especiais já recebem muitos nãos da sociedade. A escola deve acolher, e auxiliar na resolução deste problema. Peçam apoio para a família no que ela pode lhe oferecer para diminuir a falta de infraestrutura, mas não faça este tipo de discurso. Isso leva muitas mães a abandonarem seus empregos, sua vida de mulher, para cuidar destas crianças, e isso não é solução para a criança, para a mãe, e nem para a escola, pois terão aquelas mães que, como eu, vão apostar na inclusão e vão exigir que ela seja realizada, mesmo que doa ouvir frases levianas, jogadas de forma inconsequente.

São muitas as lutas. Eu estou diante de todas elas, nas versões dialéticas em que me apresento.
Receber um filho especial é encarar a militância de lutar por ele, pelos seus direitos, pela sua saúde, pelos seus espaços e pela sua autonomia que, para muitos de nós já sabemos que terá limites, mas não somos nós que temos que pôr as barreiras. Ao contrário, temos que fazer a nossa parte para que eles superem as dificuldades que os limites físicos ou mentais impõem, e ajudá-los a superar as barreiras construídas socialmente.

Tenho certeza de que o Leonardo veio para ensinar. Este ano, de diferentes formas, ele encantou e ensinou muita gente. Eu lutei, chorei, gritei, escrevi e até me calei por ele. E tive tudo isso de outras pessoas. A escola teve que aprender a lidar comigo também, afinal não é só nas teorias pedagógicas que a família faz parte do processo educacional.


No próximo texto abordarei a difícil troca da escola particular para a escola pública, não porque fui atrás de melhor Inclusão Escolar, mas porque as terapias são particulares, e oneram demais nossa renda, reduzindo nossas opções.  E que mesmo com tantos percalços no caminho da Inclusão, não me arrependo da mudança. Como disse, tudo é aprendizado, e alguns valores são por demais baseado em morais capitalistas, e quando nos desprendemos podemos ver o quanto é rico o trabalho dos profissionais da educação pública.